Saturday, November 24, 2012

Oficina de escrita criativa

Trecho de uma carta de Caio Fernando Abreu que acabei de ler. Está no final de Morangos mofados, na edição que eu tenho, não sei se em todas. Não li esse livro inteiro, peguei-o agora para ler o conto "Aqueles dois", que alguém disse no Facebook que era muito bom (é). A carta é dirigida a um amigo dele, jornalista.


Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas nisso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra, Cadê o romance (...)? Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. (...) Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. (...)
Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida". Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.
É esse o tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, frequentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na Cultura, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci / conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você eu amo. Raramente me engano.
Zézim, remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas, na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais generalizada, no fundo do poço do inconsciente: é lá que está o seu texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. (...)

Thursday, November 15, 2012

Comendo pitangas da minha janela

La educación prohibida

Divulgando. (Después escribo más. Vi este documental porque me dijeron que explicaba el llamado Súnion Disorder. En la primera media hora, que es lo que he visto de momento, no lo explica. Aunque qué sunionita no fue impactado por el mito de la caverna!)



Sinopsis: (...) Desde su origen, la institución escolar ha estado caracterizada por estructuras y prácticas que hoy se consideran mayormente obsoletas y anacrónicas. Decimos que no acompañan las necesidades del Siglo XXI. Su principal falencia se encuentra en un diseño que no considera la naturaleza del aprendizaje, la libertad de elección o la importancia que tienen el amor y los vínculos humanos en el desarrollo individual y colectivo. (...) Han surgido, a lo largo de los años, propuestas y prácticas que pensaron y piensan la educación de una forma diferente. La Educación Prohibida es una película documental que propone recuperar muchas de ellas, explorar sus ideas y visibilizar aquellas experiencias que se han atrevido a cambiar las estructuras del modelo educativo de la escuela tradicional. Más de 90 entrevistas a educadores, académicos, profesionales, autores, madres y padres; un recorrido por 8 países de Iberoamérica pasando por 45 experiencias educativas no convencionales; más de 25.000 seguidores en las redes sociales antes de su estreno y un total de 704 coproductores que participaron en su financiación colectiva, convirtieron a La Educación Prohibida en un fenómeno único. Un proyecto totalmente independiente de una magnitud inédita, que da cuenta de la necesidad latente del crecimiento y surgimiento de nuevas formas de educación.

Saturday, November 10, 2012

"Beijos meu e da Fernanda Takai". Ai!

22 de outubro (demorei em postar!). A Eliane esteve aqui em POA. Conversamos sobre muitas coisas, entre elas música, entre elas Pato Fu. Dois dias depois dela voltar para BH...


Eliane:
Presente para você! Depois te conto sobre essa história em detalhes!



Roger: ()
Ah não, ah NÃO! Isso é para dar inveja??? Tem que me contar, sim! Disse para ela que tem um fã espanhol em POA???

Eliane:
Não só contei, como fizemos a foto especialmente para você! Não te contei antes, mas já fomos vizinhos de bairro, a Fernanda e o John, antes deles serem famosos! Toda semana eu e minha turma íamos num bar escutar aquela banda diferente, com um som gostoso! Era o Patu Fu. Acabamos nos afastando quando eles se mudaram e cresceram como banda! Ontem, no show da Zélia Duncan estávamos lembrando disso! Conheci a Nina, filha deles, uma graça de menina! Em resumo foi isso! Então, essa foto é toda sua, com muito amor! Beijos meu e da Fernanda Takai!

Roger: (Ai! )
Oba, oba! Que incrível! Essa história vai ter que ir pro blog! (Meu irmão Uri é fã dela também!) Você não me contou que foram vizinhos, só me disse que eles moram perto da UFMG - e que tocaram no seu colégio. Conheceu até a filha, hahaha! Que lindo! Obrigadão pela foto e pelos beijos! Acredito que o show da Zélia foi bom, né? Eu também gosto dela!

Eliane:
Isso mesmo! Só contei que eles tocaram no meu colégio. Os conheci por um grande amigo, o Marcílio, que já era amigo do John. O bar que eles tocavam era o Hot Cold, em Contagem, região metropolitana de BH. Toda semana estávamos lá! Acho que fomos os primeiros fãs deles! Depois, eles esqueceram da gente (pena!), mas continuamos curtindo muito o som deles! Foi muito bacana revê-los! Que bom que vai pro Blog! Vou curtir demais! O show da Zélia foi inacreditavelmente fantástico! Um monólogo musicado com as canções de Luiz Tatit (grande cara!)! Depois do show fomos tietar, conversar um pouco com ela e fotografar! O último CD lançado por ela, quase todos os arranjos foram feitos pelo John e tem uma faixa que a Zélia canta com a Fernanda Takai!


Eis a história dessa foto, linda e inesperada, que eu vou mostrando para os amigos, está em meu celular. Preferi deixá-la em suas palavras, Eliane, do que recontá-la.


PS: Um vídeo desse Pato Fu dos inícios que a Eliane teve a sorte de curtir, e ainda num barzinho, só para a sua turminha! Quem diria que são eles! Haha! (Fernandinha pulando e correndo muito louca e depois cantando maravilhosa, minuto 5.)

Wednesday, November 07, 2012

Por que na história há poucas grandes escritoras?

Duas semanas atrás, a Marinella e eu estávamos falando sobre isso - antes dela ir viajar pelas Europas (tá tudo bem aí, Marinella?).

A resposta é sabida. Mas nunca a achei tão bem colocada como aqui, no seguinte parágrafo de La librería ambulante, livro que ganhei dos meus pais em Sant Jordi, 23 de abril, mas só li há pouco. É um clássico norte-americano, Parnassus on Wheels, de Christopher Morley, publicado em 1921. Um desses "clássicos nacionais" pouco conhecidos fora do país. (Não existe tradução ao português, mas há várias edições em inglês à venda na Cultura.)

A resposta de Morley à pergunta do post é literária (estudos críticos para quê?) e pode ser resumida numa simples frase: se uma mulher sentava dez minutos para ler o gato comia o mingau.

Quem fala é a protagonista do romance, Helen McGill, e o parágrafo diz, em espanhol:

Puedo perdonar a Andrew que sea un granjero inconstante mientras realice a destajo sus tareas literarias. Un hombre puede ser un holgazán en todo lo demás mientras haga una sola cosa con todo el esmero posible. De modo que no importa que yo sea una ignorante en literatura mientras sea la mejor en la cocina. En eso solía yo pensar mientras sacaba brillo, fregaba, limpiaba, desempolvaba y barría, justo antes de ponerme a preparar la cena. Si alguna vez me sentaba a leer durante diez minutos el gato iba a comerse las natillas. Ninguna mujer en el campo puede sentarse más de quince minutos seguidos entre el amanecer y la caída del sol, a menos que tenga una docena de sirvientes, claro. Y nadie sabe nada sobre literatura a menos que pase la mayor parte de su vida sentado. Como usted mismo, profesor. 


PS: O livros está cheio de pérolas como essa e é muito engraçado, ao estilo de Mark Twain.

Friday, November 02, 2012

A casa das sombras, de Patricia Highsmith

(Para o Uri, que está sem boas leituras.)

A casa das sombras (The Black House, 1981) me reconciliou com os contos, gênero com o qual não me dou muito bem. Não lia contos tão bons desde os últimos de Alice Munro, em Too Much Happiness (para quando, aliás, o Nobel para ela?). Parênteses: Tive vontade de conhecer de uma vez Patricia Highsmith (não conhecia: também não me dou muito com o romance policial ou de mistério) em julho em Barcelona, quando li uma entrevista que ela deu ao Babelia. A manchete dizia, mais ou menos: "Só me interessam os loucos e os delinquentes". Gostei, e é tudo o que eu lembro da entrevista. Mas era uma boutade, menos mal. Porque, como alguém já escreveu, nada mais parecido com um louco do que outro louco, e com delinquentes profissionais acredito que seja igual. Fecha parênteses.

A capa do livro é estrategia de marketing, pois os contos não são de mistério, nem perturbadores, como diz na contracapa. Nem de detetives, espiões ou coisa parecida. "... As vidas narradas parecem bastante normais, mas, aos poucos, revelam sua proximidade perturbadora com o macabro": isto é da orelha e tampouco é bem assim. São contos sobre vidas de pessoas "normais" enfrentadas a situações pouco comuns, nem sequer estranhas, com desfechos longe do macabro ou do perturbador. A não ser que se considere perturbador o que há de mais egoísta e ruim nos seres humanos. Mas o que há de bom e generoso, e o que há entre esses extremos, também se encontra aqui.

Lembro de cada um dos contos e de sua maravilhosa diversidade. Quase nenhum se passa no mesmo lugar do que outro ou tem personagens ou conflitos parecidos. Um se passa em Londres, outro no interior dos Estados Unidos, outro em Roma, dois ou três em Nova York, mas em bairros de classes sociais diferentes. Temos uma narrativa do mar (como eu gosto!): um barco pesqueiro que navega ao longo da costa de Long Island encontra uma nadadora desfalecida; mas não é um fenômeno estranho, o narrador conta que a jovem se chateou com umas amigas na praia, fez uma aposta e nadou longe demais; os marinheiros a recolhem,... Outro conto narra um sequestro realizado por uns malandros amadores meio tarados. Outro poderia estar num filme de Woody Allen: casais arrogantes e metidos fazem a vida impossível a um amigo solteiro, no East Side de Nova York. Outro é o luto de um menino pela irmã morta; outro, a volta de um homem de mediana idade à cidadezinha onde nasceu e cresceu e onde o pai acaba de falecer; outro, que se passa no Bronx, conta a história de um adolescente que toca num grupo de rock e é renegado pelo pai, que decide deixar de sustentá-lo. Em meu conto preferido, talvez o mais "misterioso", uma mulher recolhe uma cesta de vime na praia, estragada pelo mar; faz um trabalho perfeito de cestaria, conserta-a com uma habilidade que ela não tinha consciência de possuir, e isso a leva a pensar numa ancestralidade viva em algumas pessoas. "A casa das sombras" (uma casa parecida à da capa), conto que encerra o livro, pode ser lido como uma paródia das próprias histórias de mistério ou como reflexão sobre a invenção do mistério como necessidade vital. O estilo é o único que os contos compartilham: direto, claro, conciso, nada enfeitado, com personagens verossímeis e tratados com ternura, com descrições realistas (quando precisas) e diálogos vivos. E com humor.

PS: Semanas atrás, disse à Marinella que não entendia que os escritores que dão aulas de escrita criativa não dessem a ler aos alunos estes contos. Ela me disse que o Charles Kiefer os citou recentemente.