"Llueve". Desenho de Raquel Marín,
que ilustrou Una barca, un riu.
Nos últimos meses li vários romances (alguns por prazer, outros por terem alguma coisa a ver com minha dissertação) que não cheguei a comentar aqui, talvez por preguiça, talvez porque não achei nenhum deles "maravilhoso" (o último que amei, Indignação, de Philip Roth, já comentei). Mas quero continuar falando em livros, imitando a blogueira Maria (de "Maria e seus livros"). Desta vez não vou dar corações, como ela; só dizer alguma coisinha de cada um, em ordem inversa, começando pelo último que li.
Invisível é um grande Paul Auster, ou ao menos bem melhor do que os últimos. O autor inova, não repete fórmulas (se é que ele estava usando fórmulas). E o enredo empolga, a história tem muita força (talvez a primeira parte seja mais fraca, mas... cheguem à segunda!). Formalmente, também não um Auster daqueles, mas o estilo pouco depurado está justificado, já que o narrador não é escritor. Com boas descrições de sexo entre... não vou dizer quem.
Lowboy (ou Afluentes de um rio silencioso) é o terceiro romance de John Wray, nascido em 1971. Narra alguns dias na vida do adolescente William Heller, que sofre de esquizofrenia e está obcecado com o aquecimento global. Ele foge com uma amiga (grande parte da fugida e pelos túneis do metrô de Nova York), enquanto é perseguido pela mãe e um detetive. O melhor (que encontrei em poucos romances) é que o autor transmite o transtorno mental do protagonista a partir do que ele vê, o que ele ouve, o que ele fala. Segundo a orelha da edição da Cia. das Letras, "o leitor invade a psique perturbada e erotizada do garoto". O romance chega a ser perturbador. (Curiosidade: Wray escreveu o livro em estações de metrô.)
Sob a pele, de Michel Faber. Realmente perturbador, de dar medo. (Quem leu Pétala escarlate, flor branca, uma obra-prima sobre a Inglaterra vitoriana, pode esquecer, este romance, anterior àquele, parece de um outro autor.) Mulher de grandes seios dirige pelas ruas do norte da Escócia para oferecer carona a homens... que devem ser jovens e fortes. (É bom não ler a orelha.) (E é bom, também, aguentar a monotonia inicial.)
Satolep, de Vitor Ramil. Me pareceu um romance bem escrito, interessante, para refletir... porém chatinho (terminei querendo chegar logo ao final). Sobre um homem que se reencontra a si mesmo em sua cidade natal - em seus habitantes, em suas ruas, em seus prédios - depois de correr meio mundo. Interessante, digo, e até surpreendente, porque o narrador (o autor?) faz o descobrimento de si não se voltando para dentro, como de costume, senão abrangendo, incorporando quase literalmente o que encontra ao seu redor.
Desilusões de um americano, de Siri Hustvedt. Quarto romance da mulher de Paul Auster. Sobre um psicanalista, Erik, e seus pacientes, e sua vizinha de apartamento, Miranda, e seu ex-marido psicótico. Com outras personagens importantes, como a mãe e a irma de Erik e a filha de Miranda, Eglantine. O romance é bom, muito bom, até, intrigante e denso. (Só me irritaram as descrições de Eglantine: cada gesto, cada careta, cada mudança na voz da criança é registrada como se disso dependesse a história.) Mas não descobri essa tão grande escritora de que alguns críticos falaram depois do terceiro romance, O que eu amava. Eles diziam que ela não era "a mulher de"; que o correto seria dizer que ele era o marido de Siri Hustvedt. Eu não sabia se era verdade ou simples esnobismo de crítico literário (agora sei).
Tenho algo a te dizer, de Hanif Kureishi. Outro protagonista psicanalista. Mas se Hustvedt dá espaço aos pacientes de Erik, Kureishi se importa bem pouco com os de Jamal Khan. Talvez porque a mulher, a ex-mulher, a filha, o melhor amigo, a irmã e o resto de familiares de Khan já sejam suficientemente malucos. O tom da história é leve. Há pouca descrição e muito (bom) diálogo (Kureishi é roteirista). Desilusões... se passa em Nova York, Tenho algo a te dizer, em Londres. E serve para ver até que ponto os ingleses são sexualmente inibidos (esse é o assunto que um grande autor poderia ter explorado mais). Eles têm suas fantasias sexuais, só que não podem realizá-las em lugares "normais", nem com a mulher/marido, nem com a/o amante. Existem uma série de antros escondidos, cada um mais sórdido do que o outro, para esse propósito, ou então eles marcam encontros com estranhos pela Internet.