Monday, January 11, 2010

Qui perd els origens perd (la) identitat

"Não sou brasileiro / Não sou estrangeiro / Eu não sou de nenhum lugar", canta Arnaldo Antunes. Sempre que volto a Barcelona ou a Porto Alegre, durante uma ou duas semanas me sinto assim, não pertencente a lugar nenhum. É um sentimento meio esquisito, e às vezes dá um pouco de medo, sobretudo ao pensar no longo prazo, no futuro.

(A Ana Kessler, também andarilha, me escreveu que não se sentir de nenhum lugar pode ser bom, equivaler a se sentir de qualquer lugar, de todos eles. Isso eu experimento se pego a mochila e vou para a estrada, mas nem tanto quando fico por seis meses no Brasil, por um em Barcelona, por outros seis no Brasil, etc. Dito de outro modo: ser um mochileiro tem tudo a ver com se sentir de todos os lugares, "do mundo"; porém, se instalar num lugar tendo nascido e crescido em outro, ou à inversa, voltar ao lugar onde a gente nasceu quando se está morando fora... não é sempre tão legal.)

Mas enfim: o que eu queria era comentar o verso de um poeta e músico (cantautor, a gente diz em catalão) bem famoso, Raimon. Um verso que por muitos anos tem sido (e continua sendo) repetido por políticos, personagens conhecidas e gente anônima que compartilham o mesmo sentimento nacionalista catalão. O verso diz: "qui perd els origens perd la identitat". Tradução (desnecessária, eu acho: como o catalão é fácil!): "quem perde as origens perde a identidade". O que acontece? Acontece que, sexta-feira passada, no programa de livros "L'hora del lector", da televisão pública catalã, o convidado foi o próprio Raimon. E em um momento da entrevista fez questão de corrigir esse verso que sempre lhe foi atribuído. Não porque não fosse dele, senão porque tem sido invariavelmente repetido com um pequeno erro; pequeno, ele disse, mas importante, porque muda o sentido da frase. O verso que ele escreveu é o seguinte: "qui perd els origens perd identitat" ("quem perde as origens perde identidade"). Ou seja, ele não escreveu o artigo "la". Quem perde as origens, ele disse no programa, não perde "a identidade": perde somente uma parte, porque a identidade não é feita exclusivamente do lugar (a cultura) de onde a pessoa é, onde a pessoa nasceu. A identidade é múltipla: construída por cada um de nós, imperceptivelmente, por meio das viagens feitas, dos lugares e das pessoas amadas, das experiências vividas, das línguas aprendidas, dos livros lidos, etc. (a lista seria muito longa).

Sendo assim - e no que me diz respeito -, Raimon, no programa, me deixou bem mais tranqüilo :p. Eu não perco a identidade por estar morando no Brasil, por falar e escrever em português, por fazer amigos num lugar a milhares de quilômetros de distância de Barcelona. Eu construo uma identidade nova. Sendo otimista, enriqueço-a. Não deixo de ser catalão, e, ao mesmo tempo, vou sendo muitas mais coisas.

Esta é a canção de Raimon, composta em 1975 (o "silêncio" é o silêncio dos muitos anos de ditadura franquista), com a tradução (literal). Raimon, valenciano, usa o catalão de València, diferente do catalão da Catalunya pelo sotaque e por alguns termos.



Eu venho de um silêncio

Eu venho de um silêncio
antigo e muito longo
de pessoas que se levantam
desde o fundo dos séculos,
de pessoas que são chamadas
de classes subalternas,
eu venho de um silêncio
antigo e muito longo.

Eu venho das praças
e das ruas cheias
de crianças que brincam
e velhos que esperam,
enquanto homens e mulheres
estão trabalhando
nas pequenas oficinas,
em casa ou no campo.

Eu venho de um silêncio
que não é resignado
de onde começa a horta
e termina o seco,
de esforço e blasfêmia
porque tudo vai mal:
quem perde as origens
perde identidade.

Eu venho de um silêncio
antigo e muito longo,
de pessoas sem místicos
nem grandes capitães,
que vivem e morrem
no anonimato,
que em frases solenes
nunca acreditaram.

Eu venho de uma luta
que é surda e constante,
eu venho de um silêncio
que a gente vai quebrar,
que agora quer ser livre
e que ama a vida,
que exige as coisas
que lhe foram negadas.

Eu venho de um silêncio
antigo e muito longo,
eu venho de um silêncio
que não é resignado,
eu venho de um silêncio
que a gente vai quebrar,
eu venho de uma luta
que é surda e constante.

2 comments:

優次 (Yuji) said...

Ei! Quines coses... Avui mateix una amiga em va passar alguna cosa de Raimon (més precisament "No em pren així com lo petit vailet"), i ara entro aquí i mira amb què amb trobo!
Darrerament, he estat reflexionant sobre aquest tema del que ja hem parlat una miqueta. Algunes coses que van passar aquests dies m'han descobert la meva "revolta". Un altre dia t'ho explico amb més calma ;)
M'estic buscant ara un plan B per poder anar a Catalunya, perquè l'A, crec que ja el tinc ben bé fotut. És frustrant alhora que em calma saber que tinc un objectiu...
En fi, gaudeix del que et queda del teu viatge!

Roger said...

Ja m'ho explicaràs, envia'm un e-mail! Vindràs a Catalunya, si no a mitja carrera, al final, no? Si hi sóc et podré fer de guia. :)

Jo gaudiré del viatge, però no és l'últim, eh? No sé si a POA, però després del màster, en principi, em quedo al Brasil!