Saturday, February 27, 2010

Artur tem um problema (ou A fumaça do cigarro)

Quem, fumante ou não (mas, sobretudo, fumante), não reparou em que, quando não há quase corrente de ar, a fumaça do cigarro sobe numa perfeita linha reta, que logo se esfiapa criando formas imprevisíveis?

Pois me maravilhou saber que isso é objeto de estudo da matemática. Foi lendo a excelente reportagem "Artur tem um problema", na Piauí de janeiro, escrita por João Moreira Salles. Artur, matemático brasileiro, muito novo e considerado um dos mais talentosos do mundo, estuda os sistemas dinâmicos não-periódicos no Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro. Essa área da matemática, como todas, trabalha apenas com modelos, mas, por analogia, pode-se dizer que pretende "compreender a região acima do ponto de dissipação da fumaça". Moreira Salles descreve o fenômeno assim:

"A fumaça do cigarro sobe como uma fina coluna até que, por razões que independem da brisa ou do movimento da mão, ela se esgarça e passa a formar arabescos de trajetória imprevisível. É uma boa imagem para um sistema complexo que evolui da regularidade para o caos. Tomando-se a primeira molécula de fumaça saída do cigarro, pode-se prever sem dificuldade qual será sua posição futura dali a um segundo. Dali a 10 segundos, porém, a molécula terá se esgarçado e será impossível antecipar onde estará".


PS: Só não sei por que chamamos os tais arabescos de "arabescos", se os motivos árabes são geométricos...

Monday, February 22, 2010

Capítulo 21 (novo rascunho)

Durante o voo que em 2000 me trouxe aqui já me fiz a pergunta, duas, três vezes, timidamente, iludido com a possibilidade de ver a resposta antes de chegar - a resolução de deixar a doença atrás tendo durado só umas horas. E tive medo, percorreu-me o medo de arruinar tudo desde o início. No trajeto de táxi até Manhattan não falei, não vi nada, meus sentidos embotados, ansioso como estava por chegar ao hotel e entregar-me em corpo e alma a respondê-la, erradicá-la de vez. Quão diferente do trajeto de há um mês, quando o taxista me anunciou a caída do avião no Hudson. Assustei-me, pareceu-me o pior dos presságios. "Houve algum sobrevivente?", perguntei. "Todo o mundo", ele disse, sorrindo com um limpo orgulho pelo espelho retrovisor; e, diante da minha perplexidade, ligou o rádio para que eu pudesse acreditar. Avançando por uma avenida de Bedford-Stuyvesant, disse-me que conhecia bem o lugar, pois foi ali que ele nasceu e cresceu, andou de bicicleta por essas ruas; mas que o bairro vivia há tempos um certo declínio. Ajudou-me a descarregar a bagagem em frente ao apartamento e me desejou "good luck" com um tom de apreensão na voz.

Do hall do hotel falei ao telefone com meu pai. Pediu-me que passasse algum tempo revisando os trabalhos que devia entregar logo: a história de Juanita (nesse então, só o projeto de um projeto) e a resenha crítica do romance que tivemos de ler. Pediu-me que dormisse cedo. A sua impressão, disse, era que eu estava superando a doença, mas insistiu que lembrasse o que havíamos discutido, não podia perder um segundo procurando esclarecer nada. "Com paciência, as respostas virão."

Não segui seus conselhos. Quando o neurótico precisa com maior urgência deixar de sê-lo é quando escolhe o caminho mais curto. E eu só tinha essa noite para me liberar da pergunta. Na manhã do dia seguinte entraria na residência estudantil, e de tarde estava marcada a reunião de confraternização, à qual queria assistir com todas as minhas faculdades. Jantei na primeira lanchonete que encontrei na avenida e voltei sem demora ao hotel. Meu propósito era insensato, tinha a vaga consciência de que, essa noite, também não conseguiria respondê-la. Mas abria-se ante mim uma possibilidade melhor: talvez pudesse ver, claramente e de maneira definitiva, o que em algum recôndito lugar eu já sabia: que mediante o pensamento obsessivo não ia resolver nenhuma pergunta jamais. Não era exatamente isso o que eu queria?

Com as cortinas cerradas, a pasta com os trabalhos em cima da mesa, os fluorescentes do banheiro tornando o quarto frio e asséptico como o de um hospital, recostei-me na cabeceira da cama, abracei o travesseiro e me dispus a pensar. A pergunta adquiria sua forma habitual: a de uma frase com todas as palavras, palavras cujo sentido estava por um fio. Era a última de uma série interminável. Depois de sua formulação, nada, só um leve ruído de fundo. Fui até a mesa e fiz no caderno uma cruz. Apertei o travesseiro de novo, fechei os olhos, respirei fundo. Um pestanejar inoportuno deixou entrar um fiozinho de luz, afugentou as palavras. Fiz mais uma cruz. Deitado de costas, em vez de verbalizar interiormente a frase tentei evocar a situação, o cenário completo: a ilha de Menorca, o porto de Maó, o bar onde estivemos dançando, a estrada escura, a casa de campo, o quarto de Lídia, que ainda estava acordada. As imagens também se desmanchando. Suava, sentia a opressão no peito aumentar. Mais tarde, fui ao banheiro. Sentei-me na tampa da privada, afoguei o rosto nos braços. Pensei: Entrei no quarto de Lídia e lhe disse... Entrei no quarto de Lídia e disse: "Eu...". Tentei pensar mais rápido, para que as palavras se amoldassem ao que queriam dizer. Repeti a operação de pé, com as mãos e todo o peso do corpo contra a moldura do espelho, evitando me olhar (olhei: um rosto feio, sério e tenso). Formulei a pergunta em voz alta, como me auto-recriminando. Cada vez mais cansado, com mais lástima de mim e, ao mesmo tempo aliviado, pois nenhum método funcionava. Não sei quantas vezes tentei (o caderno já não existe). Mas, perto das 3 h, as cruzes me pareceram suficientes. Era a prova tangível, aquela à qual iria me aferrar. Exausto, com a cabeça por fim clara, lembro que dormi placidamente.

Sunday, February 21, 2010

Capítulo 20 (novo rascunho)

Recortei uma reportagem no jornal que me deixou arrepiado. Em agosto passado, uma garota de 23 anos, professora de espanhol, foi encontrada flutuando no rio, uma milha ao sul da ponta de Manhattan, na rota do ferry a Staten Island. Três semanas antes, tinha saído de casa para correr. Sem celular, RG, nada; somente os shorts e o top de corrida. Não voltou: esqueceu quem ela era. Um dia apareceu na loja da Apple, checando seu e-mail. Parece que tomou banho em alguns clubes esportivos. Mas ninguém sabe onde comeu, onde dormiu, quem a ajudou, como sobreviveu por tanto tempo. Queimada pelo sol, com os pés cheios de bolhas, foi resgatada à beira de morrer de desidratação e hipotermia. Supõe-se que sentiu tanta dor nos pés que, no fim, optou por nadar; e, pelas queimaduras na pele, dizem que passou vários dias numa ilhota da baía. Segundo os psiquiatras, trata-se de um caso de fuga dissociativa, uma forma rara de amnésia, doença que aparece de repente e, ao parecer, sem motivo específico. Por isso o fato seguinte me chamou a atenção: depois do recesso de verão, a jovem não tinha nenhuma vontade de seguir dando aulas; teve pesadelos ao respeito; e foi exatamente no dia anterior ao início dessas aulas quando tudo aconteceu. O psiquiatra entrevistado é prudente: “a explicação por trás da fuga é que a pessoa está fugindo de uma situação ruim”, diz; mas não reconhece esse fato como o catalisador.



-E sobre o quê você está escrevendo?
-Eu estou escrevendo sobre uma ferida.
-Ah! Todos nós temos feridas. E mais você vai ter. Qual tipo de ferida?

Pensei que aquela mulher fosse Anne. Por isso apressei o passo quando vi a mancha rosada. Por entre os arbustos e os galhos baixos, na mata nevada do Prospect Park, procurei a trilha mais rápida para chegar até ela. Tive de ziguezaguear, decidir em cada bifurcação, pois nas áreas de grama havia palmos de neve. Não foi difícil, era a única alma no lugar.
-Todo o mundo tem. Só que há quem disfarce, finja que é dor de barriga.

Não ia me deter. Quando vi que não era Anne, passei de largo, desapontado e com certa raiva. Mas me chocou que a velha estivesse sentada num banco totalmente esbranquiçado, sem ter se preocupado em limpá-lo.
-A senhora está bem?
Ela fez como se olhasse através do próprio colo.
-Ah, isso. - Puxou a aba do casaco: - É impermeável.
Não me pareceu que fosse, era um casaco vermelho simples. Mas assenti com a cabeça e segui em frente.
-Não esperava por ninguém tão bonito - ouvi.
Aquilo me fez sorrir. Voltei atrás. Pedi licença e varri com o antebraço a neve de um lado do banco (eu estava de jeans, morrendo de frio).
-Meu marido jogava críquete aqui. Morreu há 35 anos, o filho da mãe - ela disse, olhando para o campo à nossa frente. - Lhe importa se fumo?
-Sinto muito - eu disse.
-Não sinta.

A mulher quis saber se eu era casado, se tinha filhos, de onde eu era (percebeu meu sotaque), que diabos estava fazendo na cidade. ("Essa cidade de merda", disse.)

Não tinha o cabelo loiro (de longe havia me enganado), senão branco, e seu rosto era muito pálido também, os olhos como bolas de gude azuis. Não usava luvas.
-Ela é sozinha? - perguntou, logo que eu mencionei Anne. - Você faz ideia de quanto custava, uma carteira destas, 35 anos atrás? Desculpe.
-Casado ou solteiro, tanto faz - continuou. - Eu ainda penso nele. Às vezes falo com ele. Dá saudade de xingá-lo. Rezo por ele, até.
-A senhora não casou de novo? - perguntei.
-Tínhamos uma casa. - Deu uma tragada. - Já foi ali, no museu? - disse, indicando para o outro lado. - Bem no limite do Estado, perto do Canadá. Nada demais, mas bastava. Ah, se bastava. Mas ele quis conhecer o grand monde.
-A cidade?

Contou-me que no 4º andar do museu havia uma réplica do interior de uma mansão vitoriana:
-Toda luxuosa, não tem nada a ver. Mas alguns móveis e o sofá são iguais, diria que são aqueles. - Continuava a olhar para o campo, sem piscar. - Às vezes vou e sento no sofá. For old times' sake. Lá é difícil que não fale com o Leonard. Os visitantes nem reparam. Acham que sou parte da instalação. Só as crianças. Criança fica me escutando falar sozinha, de olhos muito abertos - disse, sorrindo. - Sinto falta. É claro que sinto falta.
Calou por uns instantes. Logo disse:
-Certo que deve ter suas feridas, essa sua Anne.



Por que teimo em encontrar você por acaso? Não mora no mesmo apartamento?, não dorme no andar acima do meu? Nem sei sequer por que a procuro. Gostaria de ler, você disse. Eu adoraria lhe contar. Mas é sobre mim - você não sabe -, não é sobre Alberto que estou escrevendo.

Para isso deveria ir ao Peru, solicitar uma entrevista, sentar no pátio ao lado dele, conversar (se ele estiver afim de conversar comigo), perguntar sobre os motivos de sua louca paixão. Os motivos da paixão. Você vê, Anne, quão absurdo? Mas é isso, só isso o que também me intriga. Alberto se apaixonou por Juanita: primeiro se apaixonou e depois endoideceu, ou foi ao contrário? Ele pediu, isso eu sei, e conseguiu, por meio de seu advogado de ofício, que argumentou que sua condição só pioraria, não ser trasladado a Lima, permanecer em Arequipa, perto da amada.

Não devem ser lugares tão estranhos, os sanatórios. Nos pátios destinados aos banhos de sol não devem encontrar-se pessoas muito fora do comum. Haverá os que gritem frases incompreensíveis e os mudos por decisão. Mas quantas pessoas não achei, estes dias e em 2000, dialogando consigo mesmas, sussurrando segredos às lixeiras, interrogando, xingando e chutando máquinas dispensadoras de jornais. Há jovens e adultos que seguem vivendo a escrutar o céu, temerosos de um novo 11-S.

Thursday, February 18, 2010

Unidos da Tijuca, campeã do Carnaval 2010



A chamada "Comissão de Frente" da escola de samba Unidos da Tijuca deu show no Sambódromo. Por isso e pelo desfile todo, ganhou o título do Carnaval do Rio 2010. (A Beija-Flor ficou em 3° lugar, a Salgueiro em 5°, a Mangueira em 6°, a Portela em 9°,...)

Wednesday, February 17, 2010

Anna em Paris

Anna me enviou estas fotos da livraria Shakespeare and Co., em Paris. Eu lhe recomendei que fosse, mas nunca estive lá.

(Ela está virando maluca. Está comprando muitos, MUITOS livros mesmo. Alguém deveria pará-la.)



Tuesday, February 16, 2010

Fjord of Killary

Gostei muito e quero compartilhar esta ilustração (aquarela, não é?) de Simon Pemberton, para o conto "Fjord of Killary", de Kevin Barry, que saiu na New Yorker de 1º de fevereiro. Representa o próprio fiorde, na costa noroeste da Irlanda (o único fiorde natural do país, segundo o escritor), e o hotel onde se passa toda a história, edificado à beira da água do oceano Atlântico, separado dele por apenas um muro.



(Para Mercè, ilustradora.)

Friday, February 12, 2010

Viagem de trem Barcelona-Madrid


Vídeo de Uri.

Lições de escrita com Josep Pla e Eça de Queirós

Leio na revista Bravo! de fevereiro o seguinte:

Página 8, do editor, João Gabriel de Lima: "(...) Ele é mestre em história econômica pela prestigiosa London School of Economics. No período em que morou na capital do Reino Unido, André aprendeu (...)".

A capital do Reino Unido não é... Londres?

Página 16, de Denise Mota: "Foi o que ocorreu quando levou Ana e os outros, de 2003, para os festivais de Veneza e do Rio de Janeiro". E duas frases depois: "Os aplausos se repetiram com Uma semana sozinhos, de 2008, que a cineasta também exibiu na cidade italiana e que retrata (...)".

Ah! Veneza é uma cidade italiana!

Página 64, do mesmo João Gabriel de Lima: "A maior crítica de filmes da história da imprensa americana - Pauline Kael, da revista The New Yorker - escreveu (...)". E algumas frases depois: "(...) David Denby, que sucedeu Pauline Kael como crítico da mais influente publicação cultural americana, (...)".

Essa publicação é, por acaso, a New Yorker?

What the fuck?

Qual é o manual que diz que não se pode repetir uma palavra?

Uma das muitas lições que o escritor catalão Josep Pla nos deixou foi esta: chamem as coisas pelo seu nome. Um cachorro que é um cachorro na linha 1, não pode virar um cão na linha 4.

E no romance A cidade e as serras, Eça escreveu esta sugestiva frase (sobre Paris, visto desde Montmartre): "Sob o céu cinzento, na planície cinzenta, a Cidade jazia, toda cinzenta, como uma vasta e grossa camada de caliça e telha".


PS: No mesmo número da revista, há uma matéria sobre "o escritor italiano Ezra Pound". *@#!#I!! (Vou procurar os poemas escritos por ele em-- na língua de Dante.)

PS2: E o conto de Gilberto Noll nem consegui terminar. (Ana Santos na Bravo! já!)

35

Ontem foi meu aniversário (o primeiro que, nos cinco anos que levo morando em Porto Alegre, passei aqui). Ganhei, da Anna, um cartão, umas havaianas e um kit que ela montou para eu deixar de fumar, cheio de balas, pirulitos, chicletes, chocolates,...; do João, um almoço bem bom; da Rosária, um pijama de verão; da Flora, um kit de barbear; da Gabriela, um cartão, uma ligação e um "joyeux anniversaire" escrito na neve. Eu mesmo me dei de presente a camiseta da escola de samba Beija-Flor (comprei-a na loja Bee do aeroporto - a Anna foi ontem para Paris -; teria preferido a da Mangueira, mas era pequena). De meus pais, irmãos e avós, queridas ligações. E-mails da Anna (minha prima), o Jonas, o Ronaldo e a Maika. Assistir ao filme Los abrazos rotos (na noite anterior, com a Anna) foi um belo presente também. Obrigadão.

Thursday, February 04, 2010

Capítulo invisível

[Tá, mudei de idéia. Vou retirar o capítulo daqui. Não apagar o post porque estou muito agradecido aos comentários. Mas o retiro porque seria esquisito que alguém o lesse e depois encontrasse os mesmos trechos em capítulos posteriores.]

Traduções ao português 10 (Cadillac Solitario, de Loquillo y Sabino Méndez)

Loquillo, 30 anos de rock'n'roll barcelonês.



Sempre quis partir para L. A.
deixar um dia esta cidade
cruzar o mar em tua companhia.

Mas já faz tempo que me deixaste,
e provavelmente terás me esquecido,
não sei que aventuras correrei sem ti.

E agora estou aqui sentado
num velho Cadillac segunda mão,
junto ao Mervellé, aos meus pés a cidade.

E agora há pouco tem me deixado,
aqui na ladeira do Tibidabo,
a última loira que veio provar
o assento de trás.

Talvez o Martini me fez recordar,
nena por que não voltaste a chamar?
achei que podia esquecer-te sem mais,
embora às vezes já vês.

E ao ir-se a loira senti-me estranho,
quedei-me sozinho, fumando um cigarro,
eu tenho pensado, nostalgia de ti.

E desde esta curva onde estou parado
tenho me encontrado olhando o teu bairro,
sentido amarrado às luzes da cidade.

O amanhecer me surpreenderá
dormido, bêbado no Cadillac,
sob as palmeiras brilha solitário.

E diz a gente que agora tu és formal
e eu aqui bêbado no Cadillac,
sob as palmeiras brilha solitário
e tu não estás.
Nena!

Wednesday, February 03, 2010

Capitães da Areia

A Gabriela me manda este trailer.

... Capitães da Areia foi o primeiro livro em português que eu li.

Sob a lua, num velho trapiche abandonado, as crianças dormem...




PS nada a ver:

E meu amigo Francesc me enviou este: "Total eclipse of the heart" (total fun).