Sunday, December 28, 2008

Livros que ainda não li

Ciente de que o prazer sexual é um ingrediente fundamental para uma vida plena e preocupado com a saúde de todos nós, meu irmão Uri aproveitou a noite de Natal para presentear aos homens e às mulheres da família com os livros El Hombre Multi-Orgásmico e La Mujer Multi-Orgásmica, respectivamente. São livros que, supostamente, têm alguma coisa a ver com o Tao Te Ching, que ele andou lendo. (Aliás, minha irmã ganhou o Tao Te Ching também: será que ela está mais avançada???) O editor deve estar feliz da vida, pois o Uri nem sequer pensou em comprar La Pareja Multi-Orgásmica (também no mercado) para os casais. Mas tudo bem, melhor assim, um livro para cada um. Isso provavelmente está no Tao: Nada é para sempre etc e tal.

Saturday, December 20, 2008

Friday, December 19, 2008

Não brota o fruto e nem a flor*


Alice Smeets (AP)

Foto vencedora do prêmio Unicef 2008. Menina em favela de Porto Príncipe, Haiti, julho de 2007.

Serve de novo aquela frase de Freud, de O futuro de uma ilusão: "Não é preciso dizer que uma civilização que deixa insatisfeito um número tão grande de seus participantes e os impulsiona à revolta não tem nem merece a perspectiva de uma existência duradoura".


*Legião Urbana, "L'avventura".

Tuesday, December 16, 2008

Na Polícia Federal

Nas duas últimas semanas estive três vezes na Polícia Federal, em Porto Alegre, para renovar meu visto. E cada dia, por cada estrangeiro ou gaúcho que estava lá para questões burocráticas, havia 20 machões (20, sem exagero, eles são chamados de vinte em vinte) para registrar sua arma (ou armas). O Presidente Lula tentou passar uma lei pró-desarmamento em 2005, mas o projeto foi derrubado em referendo - por uma estreita margem no Nordeste, e por uma amplíssima, absurda e vergonhosa margem no Sul, onde eu estou. A sociedade civil, com a retrógrada revista Veja à frente, liderou o movimento contra a lei, e o resultado do referendo permitiu que o brasileiro pudesse continuar comprando livremente armas (como se o Brasil fosse um desses Estados atrasados do centro-sul dos Estados Unidos). E aqui estão eles, gaúchos machos, registrando suas armas aos montes, com o objetivo, suponho, de proteger suas famílias ou suas lojas. Armas que serão roubadas de suas casas e usadas por bandidos para assaltar ou assassinar (prévio riscado do número de série, pelo qual nem o cafajeste aqui ao meu lado nem o bandido poderão ser identificados) ou por eles mesmos para matar a mulher ou o vizinho em alguma briga estúpida.

Monday, December 15, 2008

We Really Should Do These Things More Often 2



The Iraqi journalist, Muntader al-Zaidi, 28, a correspondent for Al Baghdadia, an independent Iraqi television station, stood up about 12 feet from Mr. Bush and shouted in Arabic: “This is a gift from the Iraqis; this is the farewell kiss, you dog!” He then threw a shoe at Mr. Bush, who ducked and narrowly avoided it.

As stunned security agents and guards, officials and journalists watched, Mr. Zaidi then threw his other shoe, shouting in Arabic, “This is from the widows, the orphans and those who were killed in Iraq!” That shoe also narrowly missed Mr. Bush as Prime Minister Maliki stuck a hand in front of the president’s face to help shield him.

(NYTimes.com)

(WRSDTTMO1)

Sunday, December 14, 2008

Natal em Porto Alegre 2


Zero Hora

Pena que eu não fui ontem, no dia da estréia da iluminação. Morando tão perto! Qualquer dia destes eu vou. (Que linda a usina de verde!)

Saturday, December 13, 2008

A turma querida da Oficina de Escrita Criativa

Esaú e Jacó, O mundo à minha procura III, Conta-Corrente I

Mais livros.

Pela presença excessiva da voz do narrador, mais exagerada do que em qualquer outro de seus romances de maturidade, aqui dá para ver como, para Machado de Assis, o mundo pode ser um teatro e as pessoas - as personagens -, títeres (em uma visão do mundo que, segundo um crítico literário, coincide com a do filósofo Schopenhauer). Essa presença excessiva chega a ser enfadonha, em opinião compartilhada por vários colegas. Mas o estilo é sempre incrível.





Terceiro volume de uma autobiografia romanceada de Ruben A., escritor português. Monólogo interior sem fim, texto verborrágico, com muitas metáforas, barroco, quase rococó, de ritmo rápido... Mas nada que disfarce o pouco interesse do enredo: um professor de "francês comercial", no Porto, compra uma casa e pensa no passado (onde há um Belzebu - o pai? -, uma namorada que termina o relacionamento com ele, um amor platônico, e não sei mais o quê).





Este eu não vou comentar. Vergílio Ferreira também é português, e Conta-Corrente também é um livro autobiográfico, neste caso escrito em forma de diário. Só vou citar um fragmento que achei bem interessante sobre Fernando Pessoa. (Eu gosto muito de Pessoa, mas Vergílio Ferreira tem uma crítica a fazer.)



P. 62:

Eça de Queirós foi quase a minha juventude; Pessoa, mais tarde, a minha quase obsessão. [...] É um "grande". [...] Mas depois de lhe escriturar a grandeza, gostaria de arrumar este problema: em que medida a sua originalidade não é muitíssimas vezes um arranjo curioso de banalidades? Dizer, por exemplo, "os olhos que têm o sono que não tenho" é dizer que se tem sono e se não pode dormir; dizer "se te queres matar, porque te não queres matar" é dizer "se te queres matar, porque não te matas?" [...]. Decerto, a maneira também é conteúdo; mas é um conteúdo em maneira e não em si com o quanto necessário à sua manifestação. E de tal modo isto é maneira, que é extraordinariamente imitável (e imitado) - o que não pode acontecer com uma originalidade de fundo. [...] Aliás, repito, seria interessante um confronto sistemático de Pessoa com Eça, de quem ele disse muito mal e em cujos bolsos meteu às vezes a mão. Por exemplo, é citada até à náusea a frase de Pessoa "a minha pátria é a língua portuguesa". Mas isto está na carta IV do Fradique: "Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade". [...] O que é freqüente nele é não dizer nada de novo, excepto no que há de imprevisto e desmultiplicado na maneira de dizer. A ver se arranjo exemplos.

Natal em Porto Alegre


Zero Hora

Cresceu uma árvore de Natal ao lado do cartão-postal da cidade.

Friday, December 12, 2008

Ah, e eu...

... pessoalmente também tenho o que comemorar. Terminou meu primeiro ano de mestrado. :) E olha como eu me sinto:



Hehe. Estava querendo postar no blog essa obra de arte do Banksy por qualquer motivo. :p

Wednesday, December 10, 2008

Duas grandes notícias

Ontem, 9 de dezembro de 2008, depois de cinco anos (5!), a Gabriela formou-se em Direito. E com A. (De Aleluia.)

Ontem, 9 de dezembro de 2008, depois de nove meses (9!), nasceu o filho da Raquel.

Tuesday, December 09, 2008

Toda cura para todo mal

- Tem cura para a solidão?

Fernanda T.:
- Ai Roger, não leve tudo ao pé da letra!

Sunday, December 07, 2008

Divulgando a arquitetura de Catalunha

Porque nem tudo é Gaudí. :)



Ramon Cardús

Edifici de Gas Natural, de Enric Miralles e Benedetta Tagliabue.

Saturday, December 06, 2008

A casa dos espelhos e A rainha dos cárceres da Grécia

Romance de Sergio Kokis sobre a vida de um pintor exilado em um país da América do Norte – supostamente o Canadá – e sua infância e adolescência no Rio de Janeiro; sobre a pobreza e a miséria em todas suas facetas; sobre a educação e formação do indivíduo, a persistência das lembranças, a construção da identidade, a desumanização, o desenraizamento.

Com muitos seios, bundas, cheiros, cores, sexo, sonhos, buscas. Mas também com mortos, mendigos, afogados, prostitutas, famintos, crianças disformes, cadáveres anônimos.




OK, falta um coração para o máximo (segundo o sistema de cotações de Maria, Rainha da Suécia - como Sergio Kokis, carioca "exilada"). Mas é que cinco corações eu guardo para meu descobrimento do ano, Osman Lins (ai, espanhol ignorante), de quem li A rainha dos cárceres da Grécia.


O livro de Osman Lins não é sobre rainhas, nem sobre cárceres, nem sobre a Grécia (ainda bem que não é nada disso, eu estava com medo quando o comprei). É sobre um escritor que intenta contar o romance que sua amante falecida escreveu e não publicou. Metaficção, então. Mas (atenção!) surpreendentemente não chata. Muito pelo contrário: várias histórias de amor intensas, uma incrível recriação do Recife de hoje e do passado e de seus habitantes, e uma humana descrição das dificuldades e os prazeres da escrita.





PS: Ambos os livros estavam na lista da disciplina da professora de literatura da PUCRS Ana Mello, a quem agradeço por tê-los escolhido. (Mas Angústia, de Graciliano Ramos, não precisava. E aquele outro do Cony, também não.)

PS2: Todos os livros de Kokis podem ser lidos em francês - ganharam todos os prêmios possíveis no Canadá, devem ser bons. Le pavillon des miroirs foi o único traduzido ao português. De repente não traduziram os outros por ele descrever um Brasil... não muito bonito?

Por que falo como eu falo

"Agora penso sempre em uma língua estrangeira. Porque com o tempo todas as línguas se misturam. (...) Muitas vezes a palavra exata não me vem à mente, ou me vem em uma outra língua. (...) Se fico à vontade, as frases saem lógicas (...). Algumas formas de expressão ou o uso da gíria num contexto inadequado às vezes podem chocar meus interlocutores, que entretanto não reagem, por causa de minhas boas intenções. Há casos em que pretendo realçar uma expressão e o faço de maneira inusitada, o que destrói o efeito desejado. (...) Não se pode estar preocupado com isso a cada momento, senão o raciocínio se interrompe, a cabeça divaga e perde-se o fio da meada. Há tantas coisas a dizer que a forma deve se manter em segundo plano. Frequentemente tenho a impressão de ir muito depressa, como se tivesse de me expressar com urgência."

Sergio Kokis*, A casa dos espelhos


Eu ia fazer um pastiche com esse trecho do romance em que o autor reflete sobre o fato de se expressar em uma língua estrangeira. Mas o texto está tão bem escrito e é tão preciso, tão exato - me reconheço tanto nele - que não pude adicionar nada. Só direi que esse chocar meus interlocutores, sobretudo por querer me expressar com urgência, já me trouxe algum problema. Me desentendi com uma professora até ao ponto de abandonar sua disciplina, por exemplo. (Mas, também, como era chata essa disciplina.)


* Sergio Kokis, carioca, mora no Québec desde 1969, nunca mais voltou ao Brasil e escreve em francês.

Friday, December 05, 2008

Sobre o tempo

Pode crer?

Saio de Porto Alegre no último dia da Primavera e chego em Barcelona no primeiro dia do Inverno.

Viverei no céu dois solstícios.


PS: Será o dia do aniversário da Rosa e da Rose. Dois sóis. Acho que pedirei champanhe no avião.

Thursday, December 04, 2008

Internacional, Campeão da Copa Sul-Americana 2008



Contra Estudiantes de La Plata. A Argentina, 0-1. A Porto Alegre, ahir, 1-1 a la pròrroga.

Saudações coloradas!

(Entre el Joventut, l'Espanyol i l'Inter, moltes alegries, aquests anys al Brasil!)

(I records als amics del Bar$a, que saben bé de quin equip parlo! Huhauahua!)

Sunday, November 30, 2008

Sobre literatura


Max

"Publishers may or may not figure out how to make money again (it was never a good way to get rich), but their product has a chance for new life: as a physical object, and as an idea, and as a set of literary forms."

(...)

"There’s reading and then there’s reading. There is the gleaning or browsing or cherry-picking of information, and then there is the deep immersion in constructed textual worlds: novels and biographies and the various forms of narrative nonfiction — genres that could not be born until someone invented the codex, the book as we know it, pages inscribed on both sides and bound together. These are the books that possess one and the books one wants to possess."

(...)

"Forget about cost-cutting and the mass market. Don’t aim for instant blockbuster successes. You won’t win on quick distribution, and you won’t win on price. Cyberspace has that covered.
Go back to an old-fashioned idea: that a book, printed in ink on durable paper, acid-free for longevity, is a thing of beauty. Make it as well as you can. People want to cherish it."


("How to Publish Without Perishing", James Gleick, NYTimes.com)


PS: OK, it is a message to my creative writing group that I might be trying to pass.

Thursday, November 27, 2008

Wednesday, November 26, 2008

De Profundis. Valsa lenta

Adorei esta mensagem poética na tela do computador do cibercafé:

"Usuário logado em uma outra estação."

Depois de três cafés (agora pedi um chocolate), estou mesmo em uma outra estação.

"Longe, longe
Estou em outra estação..."

Saturday, November 22, 2008

Post de l'Alex Atala sobre el Ferran Adrià (en català)

Ola, em dig Alex Atala i no sog catalá, pro he aprej la guingua am er Ferran Adrià, er millor cuiner der mong. La meva cuguina te mej sentit dejprej da cuneja aquet mojtru de la cuguina catalana i der mong. No meng puc ublida dar mumeng que er Ferran i er seu cumpanh Arzak van desambarca ar Brasil. Vaj cumansa a viura ung soni. Primer vaj tancar er restaurant D.O.M. per ansanha ers sabors arsapsionals dar Brasil ar doj mejtras. Vaj fer turu, ung fruit dar mar der mangue, am ung aspecta raru, com da llumbriga de 60 centimetrus. Vaj ubri ung trong que vaj purta de l'Amajona, ong hi havia ung turu, i ers doj mejtra ej van tira a sobra per fer fotus, vulien agafarlu, mangarsel diretameng del trong. Tambe vaj fer servi una fruita quej diu cagaita, quej ung nong molt divartit an catalá. Va ser er supar dar secle, er mumeng mej brillant de la meva caguera. I dejprej vam anar cap a l'Amajonia. Imajinat, trej apajunats per la cuguina, nung avió, passar cuatra diaj a l'Amajonia. Ells dijcutegan molt, aj barallan i dejprej aj riuan. Semblen ers guermans Marx. Quan er Juan Mari vol irrita er Ferran, diu: "Er Senhor de la cuguina molecular!". Ai quem piju!



Atala, Adrià i Arzak a Belém, Pará.

Thursday, November 20, 2008

Dia nacional da consciência negra



Ontem (19/11/08) na Folha de S. Paulo:

O trabalhador negro (preto e pardo) ganha apenas cerca da metade do que o não-negro (branco e amarelo) recebe na Grande São Paulo. São R$ 4,36 por hora, em média, contra R$ 7,98, segundo pesquisa realizada pela Fundação Seade e pelo Dieese.

Quanto maior o nível escolar, maiores as disparidades. O rendimento real do indivíduo negro que não concluiu o ensino fundamental é de R$ 3,44 por hora, e o do não-negro, R$ 4,10 - uma diferença de 19,2%.

Já na comparação entre duas pessoas que terminaram a universidade o abismo atinge 40%: o negro recebe R$ 13,86 por hora e o não-negro, R$ 19,49. O levantamento foi realizado em 2007, mas os valores tiveram correção monetária até julho.

(...)

O indicador "mais preocupante", diz Patrícia Lino Costa, coordenadora da pesquisa, é o que mostra a distância entre os ganhos dos negros e dos não-negros que fizeram faculdade. O restrito acesso à escola é uma das principais causas da desigualdade no mercado de trabalho, mas, para quem conseguiu superá-la, o preconceito acaba sendo o pior obstáculo, afirma. Uma vez contratado por uma empresa, o trabalhador negro não consegue galgar posições e subir na carreira, daí a sua renda ser inferior à dos brancos que sobem na hierarquia, diz ela.

"Os negros não conseguem sequer entrar em um cargo mais elevado. Entre um engenheiro negro e um branco, certamente prefere-se contratar o branco, achando que o negro não é capaz", afirma José Vicente, reitor da Unipalmares.

(...)

Por isso, de acordo com os especialistas, a redução das disparidades começa na educação fundamental, para que as crianças aprendam desde cedo a lidar com as diferenças. Para Vicente, as cotas em escolas técnicas e nas universidades ajudam, porém deveriam ser uma "verdadeira política de Estado, e não fruto apenas da boa vontade de um grupo de reitores". As empresas, por sua vez, estão aumentando os seus programas de inclusão, diz Costa.

"O problema é a velocidade do avanço. No Brasil, que se orgulha da sua miscigenação, números como esses de renda e emprego são chocantes. Os EUA, onde até 50 anos atrás um negro não podia beber água no mesmo bebedouro de um branco, acabaram de eleger um negro presidente. Falta seriedade ao nosso governo", diz Vicente.


PS: Em Espanha, dia de celebração da morte de Francisco Franco.

Tuesday, November 18, 2008

Traduccions de Brasil 54 (No aeroporto i O que é isso, de Pato Fu)

Y el chico del rayo X del aeropuerto
Ve perfectamente bien
Todo lo que creo que me conviene llevar
Me mira de medio lado
Y dice:

¿Qué es eso
Que brilla tanto
En mi rayo X?
Por favor dígame

Es una carta
Una carta de amor

Él dice que está tan triste y solo

Me pide por favor que vuelva

No,
Hay otra cosa
Por favor,
El monitor.

Oh, es una caja,
Son mis discos,
Disculpe
Déjeme ir

Es una carta
Una carta de amor

Es una carta
Una carta de amor







¿Qué es eso?
Un rompecabezas
¿Qué es eso?
Es todo el saber
¿Qué es eso?
Un nunca me olvides
¿Qué es eso?
Un ser o no ser
¿Qué es eso?

¿Qué es eso?
Palabras cruzadas
¿Qué es eso?
El bien contra el mal
¿Qué es eso?
Tónica cambiada
¿Qué es eso?
Un no haber final
¿Qué es eso?

¿Qué es eso?
Una encrucijada
¿Qué es eso?
Una casi muerte
¿Qué es eso?
Un montón de nada
¿Qué es eso?
O falta de suerte
¿Qué es eso?

¿Qué es eso?
Un sueño confuso
¿Qué es eso?
La tele apagada
¿Qué es eso?
Juguete sin uso
¿Qué es eso?
Memoria borrada
¿Qué es eso?




PS:Brinde.

Saturday, November 15, 2008

O título do filme é horrível e o subtítulo também..., então... Sobre o filme do W. Allen que se passa em Barcelona (extended)



Opiniões conflitantes sobre o filme que estreou ontem no Brasil. A crítica (norte-)americana gostou muito (críticas especialmente positivas na New Yorker e no NYT). A crítica européia gostou pouco. A crítica espanhola e catalã não gostou. Meu irmão Uri, há um ou dois meses, quando viu o filme, escreveu um e-mail tão cheio de xingamentos (ele geralmente escreve e-mails com xingamentos, mas esse tinha xingamentos demais por linha :) que eu (uma pena, porque estava engraçado) resolvi não reproduzi-lo aqui (e olha que meu irmão tem um Woody Allen em papel machê, de 50 cm, no antigo quarto dele); uma jornalista de El País escreveu um artigo também xingando o diretor (mas essa está meio doidona). A Gabriela, que viu o filme ontem aqui no Brasil e que adora Barcelona, achou o filme muito bom. Enfim, eu respeito todas essas pessoas e opiniões (excetuando a da doidona), então... só assistindo! Por enquanto, há uma opinião unânime (inclusive meu irmão, que não gosta dela, concorda, e isso me deixa feliz, porque faz parte de uma velha briga entre nós): a Penélope arrasa com tudo e com todos. A outra coisa é que eu gosto do cartaz... e então posto o cartaz.


PS: Ah, para os amigos de Barcelona: Segundo a Zero Hora o filme é 4 (de 5) estrelas; segundo a Folha de S. P. é "bom", com altos e baixos.


PS2: Já posso opinar. Tive a sensação de estar vendo um bom filme de um diretor principiante. Ou uma boa história provavelmente escrita às pressas. A segunda parte é melhor. Não achei paixão nas cenas de sexo (só no beijo da Penélope à Scarlett). Algumas frases sobre o amor me pareceram meio bobas. Uma Barcelona mais real e intensa é a de Todo sobre mi madre (estou comparando só a imagem da cidade, se for comparar os filmes, ai). Achei as dúvidas das personagens, ou talvez a forma de serem expressadas, próprias de pessoas mais novas do que as representadas (se bem que a gente não muda muito, né?). É para ser um filme triste (segundo o diretor) e isso eu só o percebi no final (na cena do aeroporto), não permeia o filme, que às vezes parece não saber bem o que é. É difícil construir uma história verossímil com três atores tão conhecidos? (Eu não consegui deixar de ver eles.). Por que caralho aparece o Joel Joan?


PS3: O psicólogo Contardo Calligaris viu o filme e gostou, achou-o leve, bem-humorado e, no final, triste. Considera-o "um pequeno tratado do amor paixão", e diz que os espetadores "terão o prazer (ou desprazer) de se reconhecer em algum lugar do leque de experiências amorosas que o filme apresenta - um leque pequeno, mas do qual escapamos pouco".

Com exemplos do filme, ele faz considerações interessantes sobre o amor-paixão.

"1) Os casais que se amam de paixão, cujos parceiros parecem ser feitos um para o outro, em regra, acabam tentando se matar (Juan Antonio e María Elena). É porque, se o outro me completa e vice-versa, o risco é que nenhum de nós sobreviva à nossa união - ao menos, não como ente separado e distinto (...).

2) Por sorte ou não, o amor-paixão é raro. A maioria de nós vive relações menos 'interessantes' e menos fatais - relações em que a gente se preocupa em criar os filhos, decorar a casa, ganhar um dinheiro (Vicky e Doug) (...). Detalhe: nesses casais 'normais', ao menos um dos parceiros vive com a sensação de que sua escolha amorosa é resignada, fruto de um comodismo medroso (...).

3) Os que parecem não idealizar o amor paixão passam o tempo se protegendo contra ele. Deve ser por isto que a normalidade amorosa pode ser insuportavelmente chata: porque ela exige a construção esforçada de defesas contra a paixão (Doug).

4) A paixão não é uma coisa que a gente possa encontrar saindo pelo mundo como um turista da vida (Cristina). Pois não basta esbarrar na paixão; é preciso encará-la quando se apresenta".

"Para mim", escreve Calligaris na Folha, "a mais 'patológica' de todas as personagens do filme é Cristina. Sua aparente abertura para a vida ('Ela não sabia o que queria, mas sabia o que não queria', narra a voz em off) é apenas uma versão 'bonita' e literária de sua 'insatisfação crônica' (diagnosticada por María Elena, com razão). Nisso, Cristina é muito próxima da gente: ela consegue brincar com a paixão, mas sem perder a ilusão da liberdade ou o sonho do que ela poderia encontrar na próxima esquina. Por isso, sua voracidade é a do turista: tira muitas fotos pelo mundo afora, mas será que ela se deixa tocar pela vida?".


PS4: Cristina, em letra de The Smiths:

Sad veiled bride [Vicky], please be happy
Handsome groom, give her room
Loud, loutish lover, treat her kindly
(Although she needs you more than she loves you)

I know it's over
And it never really began
But in my heart it was so real
And you even spoke to me and said:

"If you're so funny
Then why are you on your own tonight?
And if you're so clever
Then why are you on your own tonight?
If you're so very entertaining
Then why are you on your own tonight?
If you're so very good looking
Why do you sleep alone tonight?
I know because tonight is just like any other night
That's why you're on your own tonight
With your triumphs and your charms
While they are in each other's arms"


PS5: Well, I don't want to be a "Cristina", but I want to be a "sad veiled bride" less. That would also explain why there are so many Cristinas.


PS6: Eu adoro quando a Penélope afirma, meio gritando, meio chorando, irritada por ter se dado conta disso tão tarde, nos braços de Juan Antonio e em frente de uma Cristina desconcertada: "Cómolosabíacómolosabíacómolosabía!!". (Certo que foi idéia dela!)

Wednesday, November 12, 2008

Divulgando a literatura em catalão 3

E meu colega de Oficina do ano passado, o Tiago, continua a ler Mercè Rodoreda! Leu La plaça del Diamant, A praça do Diamante, e achou "sensacional", "demais". A boa literatura não sabe de fronteiras, nem de línguas. E que vergonha, eu não li (ainda) esse romance. Roger preconceituoso: achei que La plaça... não podia ser melhor do que Mirall trencat, quando é, simplesmente, diferente - muito diferente, segundo o Tiago (e segundo a própria autora: eu soube por ele agora). E aplausos para a Planeta do Brasil (da todo-poderosa editora Planeta, de Barcelona), que está escolhendo com critério os livros que traduz e publica aqui.


PS: Sinopse no site da Livraria Cultura: Na Barcelona da década de 1930, Colometa, balconista de uma loja de doces, leva uma existência banal ao lado do pai. Durante um baile na praça do Diamante, Colometa conhece Quimet, um jovem impetuoso que se tornará seu marido. Com ele tem dois filhos e passa a criar pombos. A Guerra Civil toma de assalto a cidade, a aos poucos o universo de Colometa se desintegra. O marido parte para a luta, a comida acaba e os pombos representam um jugo insuportável.

Gabriel O Pensador, Festa da música tupiniquim



... E no andar lá de cima
Um dos donos da festa
Tá na boa, tá em paz
Tá tocando um violão
"Festa estranha com gente esquisita
Eu não tô legal, não agüento mais birita"...

Friday, November 07, 2008

Traduccions de Brasil 53 (Os dois lados, de Murilo Mendes)

Los Dos Lados

A este lado está mi cuerpo
Está el sueño
Está mi novia en la ventana
Están las calles gritando con luces y movimientos
Está mi amor tan lento
Está mi ángel de la guarda
Que a veces se olvida de protegerme
Está el mundo llamando a mi memoria
Está el camino hacia el trabajo

Al otro lado hay otras vidas viviendo mi vida
Hay pensamientos serios esperándome en la sala de visitas
Está mi novia definitiva esperándome con flores en la mano
Está la muerte, las columnas del orden y del desorden


(Enviado por Bel. :)

Tuesday, November 04, 2008

Give me hope...

At my university in Porto Alegre nobody seems to care - nobody has ever mentioned this election, not a single student or teacher (nor anybody has ever mentioned the world economic crisis yet, by the way - I guess we are all so very occupied with literature - sigh) but tonight is going to be a historic night. (I'll celebrate with myself. :)




E que maravilha a capa da New Yorker!

Friday, October 31, 2008

Coragem

(Um conto.) (Sugestões são bem-vindas.)


Belize:
Somewhere in there I recall, Margaret and Thaddeus
find the time to discuss the nature of love. Her face is reflecting
the flames of the burning plantation, you know the way white
people do, and his black face is dark in the night and she says
to him, "Thaddeus, real love isn't ever ambivalent."

Tony Kushner, Angels in America



Quando ouviu que sua filha tinha sido baleada, pensou que nada no mundo seguia em seu lugar. As paredes se inclinaram, o chão não ia lhe sustentar. O interior de seu corpo esvaziou-se, e ele achou que fosse se dobrar. As janelas o olhavam. Os vidros, bombeados para dentro da casa, batendo como corações, parecia que iam estourar. O mar azul de fora emudeceu. E um apito começou a subir pelo fio do telefone e a fuçar-lhe o cérebro, sobrepondo-se à voz. "Sua filha foi baleada".

A única foto dela estava em cima da lareira: a foto dela, ele e a mulher. Era de cinco anos atrás. Quando se separaram, ele sentiu-se culpado, e não levou nada para a casa da praia, onde foi morar. Ao contrário: a casa da praia ficou quase vazia, pois ele colocou as roupas da filha e da mulher, os livros e as lembranças em caixas de papelão e enviou-as por correio à casa da cidade. Restou só aquela foto, tirada na praia, em um dia de sol.

Soltou o telefone, tremiam-lhe os joelhos, apoiou-se no balcão que separava a sala-cozinha da sala de estar. Durante uns minutos ainda ouviu o apito, não conseguiu pensar. Depois, calçou uns sapatos, vestiu seu casaco de linho de verão e andou como um autômato até a garagem – como se os pés, como se o corpo não fosse mais o seu. Sentou na direção do velho Chevrolet e tentou ligar o carro, que por três vezes não pegou. Pensou que não ia ser capaz de dirigir até a cidade. E que aquilo não era possível – não podia acontecer.

Dirigiu lentamente pela rua à beira-mar, toda esburacada. Enxergou a praia deserta entre as dunas e, do outro lado, as casas vazias, de janelas fechadas – os quiosques fechados também, desmontados. Cinco anos atrás, ele procurou aquele despojamento, aceitou aquele despojamento, adotou-o. Era o mais parecido com uma espécie de castigo, e isso o levaria a uma purificação. Ela aprendeu a dirigir nessa mesma rua, tão diferente nos meses de verão. Com onze anos, ele a sentou no colo e ela tomava conta da direção; com treze, ela começou a mexer nas marchas; não chegava aos pedais. Lembrou da vez em que entraram na praia e encalharam na areia, de suas risadas espasmódicas. Pareceu-lhe que ouvia ela rir. Depois veio a faculdade e ela nunca tirou a carteira.

Não ouvia o quebrar das ondas; e os latidos do cão de guarda que corria atrás do carro, e pulava, chegavam-lhe abafados, como de um outro lugar. Ele a protegia quando, nesses meses longos das férias, ela começou a namorar – e a beber, a fumar. A mãe sempre foi mais conservadora, e a filha sabia disso e usava ele, que por sua vez sabia e deixava-se usar: bastavam um piscar de olhos, um olhar – quem não obedeceria o olhar de alguém que sabia tanto o que queria –, um pigarrear inocente. Assim se entendiam. Pisou assustado no freio ao ver-se com o carro no meio da estrada – sem saber como tinha chegado lá, a cidadezinha às costas. E jurou que ia estar atento ao tráfego; eram 150 km até a cidade e prometeu a si mesmo que ia estar atento ao tráfego.

Desviou a vista para o rádio. Não queria ouvir nada nem ninguém, e quase sorriu ao pensar que provavelmente o aparelho nem funcionava. Ouviu: Pai, como tu é desligado. Nesse tempo todo, a mulher não quis mais saber dele; ela sim, ela ligava. Ligava sempre no dia do aniversário dele e na noite de São João. Essas duas ligações o deixavam feliz, dois meses antes começava a esperá-las. Apertou os lábios ao lembrar das festas: como ela, aos 14, aos 13, aos 12, cravava os olhos nas fogueiras. Eram o fogo e o inverno que davam à filha uma beleza superior. Ela fitava o fogo como se nada na vida – que apenas começava –, como se nada na vida pudesse— Parecia que se irmanasse ao fogo, e seus olhos e seus cabelos, em vez de refletir as chamas, viravam profundamente pretos, de um preto aceso. No verão era mais menina, com seu corpo opulento, soberbo, mas sem aquele olhar. Sentiu a vibração do carro – aqueles ferros velhos querendo se desconjuntar – e um formigamento a subir-lhe pelas pernas.

Quis bloquear os pensamentos. Fixou a atenção nos modelos e as cores dos carros que o ultrapassavam. Mas nessa época, e nesse dia, havia poucos carros na estrada. Então foi dizendo para si os nomes das árvores nas margens – cedros, jacarandás –; e quando o bosque interrompia-se, dos campos de lavoura. Surpreenderam-lhe usinas que não lembrava da última vez. Como ela teria mudado em cinco anos! Ele só tinha a foto da lareira e a voz, mais densa a cada ligação, a cada ano; e com isso ia compondo o crescimento da filha, mas não era bastante. Sempre perguntava pelos cabelos dela. Até que um dia ela disse: Pai, isto está virando uma obsessão! Ele não queria que os cortasse. Eu sou aquela, ela dizia, referindo-se à foto, ou talvez aos verões passados na praia, ou— Ele acreditava, gostava de acreditar nessa não-mudança.

De todos os quadros que ele pintara, que ninguém vira, que a umidade e o salitre estragavam, quantos eram ela? Nas camadas sobre camadas, nesses quadros tão pesados, de somente um ou dois tons, o que havia? São marinhas, ele dizia, quando perguntado pela filha, não é nada; e adicionava: gastar pintura por gastar. Mas ela nunca acreditou. Essa era a pergunta dela, que sabia que o pai vivia a caminhar demoradamente pela areia e a pintar em casa. São teus cabelos, ele brincava então. Só que nem sabia de certo. Essas manchas e essas cores eram ela? Não podiam ser o que ele nunca foi. É tu, é tu, minha filha! Tremeram-lhe as mãos na direção. Esticou os braços com força, retesando desde os ombros até os dedos. Começou a tremer-lhe o rosto. Nunca imaginara que fosse possível ficar ainda mais só.

Desceu do carro tremendo, em um posto de gasolina que ele não conhecia, novo, brilhante, deserto. Não se via ninguém, mas todas as luzes estavam acesas. Foi tirar a carteira do bolso, e a carteira caiu no chão. Em vez de se agachar e recolhê-la, cobriu-se o rosto com as mãos. “Senhor”, ouviu. Alguém lhe devolveu a carteira. Ele apenas enxergava. “O senhor está bem?”. Ele cruzou os braços sobre o peito, agarrando os ombros para não tremer mais, e fez que sim com a cabeça. Era uma mulher loira, mais alta do que ele, de roupa branca, com uma aura dourada. A mulher abriu a tampa e encheu o tanque do Chevrolet; logo, sem deixar de olhar para trás, voltou para o seu carro. Então ele pôde vê-la: tinha o cabelo comprido e usava dois grandes brincos de argola dourados. Reparou na blusa branca, nas formas do corpo, na cintura. Quis sorrir para ela. A mulher se aproximou de novo e perguntou-lhe com voz doce: “Você pode dirigir?”. Ele fez que sim. O corpo tremia-lhe menos. No respirar acelerado sentiu por um instante um cheiro de— Cheirou forte num intento de sentir o perfume – de voltar à realidade – mas sentiu só a gasolina. Ainda de pé onde a carteira caiu, estendeu os dedos para acenar à mulher, que ao passar pelo Chevrolet deu-lhe tchau desde a janela de seu carro vermelho. Vestida de festa, pensou ele. Nesta hora. Neste posto. Pensou que era um anjo. Perguntou-se se era um anjo. E pensou se a filha não poderia ter sido um anjo também.

Será que te amei o bastante, filha? Pai, tu sabe. Foi na última conversa telefônica, no dia do seu aniversário, seis meses atrás. Bastante era quanto? Quão grande deveria ter sido seu amor, se depois ele ia sumir por cinco anos? Que valia isso? O que valia ele? Inalava ar e o soltava rápido, sentia o coração bater na pele. Ouviu sua voz, rindo ao telefone: Pai, daqui a dois anos todo o mundo estará louco! Aos poucos foram aparecendo mais luzes traseiras, feixes verticais que perdiam-se no céu, estrelas vermelhas que o perturbavam e o obrigavam a piscar. E a voz dela em sua cabeça: O amor não é— O amor não é nunca ambivalente. E ele a ruminar: amor de pai, amor de mãe, amor de amigo, amor de— Por que o homem tem de ser de material tão sensível?

As ruas da cidade pareceram-lhe espectrais. Exceto por algum ou outro carro e o movimento cromático dos sinais, parecia que ninguém morasse lá – que uma debandada, enquanto ele estava fora, tivesse se produzido, deixando só fantasmas. Viu figuras escuras nas ruas esvaziadas, figuras contra paredes ora sujas, ora rachadas, banhadas em um amarelo de necrotério de hospital. Sentiu de novo o apito ouvido ao telefone – ignorava quantas horas atrás: quando era dia; e forte, como sempre desde que elas partiram e ele ficou na praia, a ameaça da loucura. Se ela não estivesse lá, deitada em sua cama, em seu quarto, com a mãe, as amigas, nada mais o salvaria. Ele, que quando achou já estar perdido, para não enlouquecer ou se matar, começou a pintar, sem ela não viveria. Não vai me beijar? Isso foi o que ela disse. Muito tempo atrás, no entanto parecesse sempre ontem. Encostada na porta do quarto do sótão, o único lugar da casa de cuja janela, por cima das dunas, dava para ver o mar. Ele nunca soube se ela estava perguntando. Nem na voz nem nos olhos acesos pôde adivinhar. Por que o homem é obrigado a—? Mas tinha certeza que tiveram coragem.

Quase não reconheceu a casa. Mudou a cor da fachada. A porta, larga e alta, antes era de madeira, não de aço. Alguém dormia nos degraus. Tanta coisa havia mudado. Desceu rápido do carro. Já não tremia, nem suava. De regresso à casa onde morou, subiria esses degraus, sentiria de novo o carpete nos pés, apalparia as paredes. E ela estaria na cama, no centro de tudo, sorrindo para a mãe. Olhou para cima e não viu luz nas janelas. Deu mais uns passos e enxergou: a figura nos degraus da porta, com os cabelos no rosto, diminuída no interior de um abrigo. A mulher ergueu a cabeça e pestanejou; pestanejou várias vezes em frente ao homem de cabelos grisalhos. Sorriu e chorando disse: “Meu amor, amor meu”. Então ele soube. No entanto, perguntou: “Onde ela está?”. “Ninguém parou, ninguém parou, ninguém parou”, a mulher disse. “Onde ela está?”. A mulher soluçava, abraçava-se a ele, golpeava-o com raiva no peito, no casaco, colava-se a ele.

Foi de táxi ao IML. Um homem de guarda-pó o recebeu na entrada. Explicou-lhe que Débora havia sido baleada às seis da tarde, ao sair da faculdade de carro. Que os assaltantes fugiram. Contou-lhe que o namorado morreu na hora, na direção; que o carro rodou cem metros, até bater em um poste de luz. “Sua filha Débora”, o médico disse, “conseguiu abrir a porta e sair. Um grupo de vizinhos tentou socorrê-la no chão. Pediram para outros carros pararem e a levarem para o hospital. Senhor? Na ambulância, ela disse: Ligue pro meu pai. Não resistiu. Agora, se quiser entrar na sala. Talvez queira levar uma lembrança”.

... Y otro pingüino

Éste se perdió por el camino.


Liniers


(Es un pingüino filósofo.)

Monday, October 27, 2008

Crueldad

Se acuerdan, no?, de aquellos pingüinos? (Caminan para subir a un avión que les llevará de Salvador a Pelotas; de Pelotas irán en camión a Rio Grande, y en Rio Grande serán devueltos al mar, para que otra corriente les lleve a pasar el verano a las aguas frías del fin del mundo.) Ahora dime tú si no estarían mucho mejor en Salvador.

Sunday, October 26, 2008

Frear o ritmo ir muito lento

Fiquei romântico. Dia de chuva no Sul do país. Julieta Venegas: Lento. (Do MTV Unplugged.) (Gostei desse verso: vale a pena "frear o ritmo ir muito lento", não só no amor.)



Se queres um pouco de mim
Me deverias esperar
E caminhar a passo lento
Bem lento
E pouco a pouco esquecer
O tempo e sua velocidade
Frear o ritmo ir muito lento
Mais lento
Ser delicado e esperar
Da-me tempo para te dar
Tudo o que eu tenho
Ser delicado e esperar
Da-me tempo para te dar
Tudo o que eu tenho
Se queres um pouco de mim
Da-me paciência e verás
Será melhor que andar correndo
Levantar vôo
E pouco a pouco esquecer
O tempo e sua velocidade
Frear o ritmo ir muito lento
Mais lento
Ser delicado e esperar
Da-me tempo para te dar
Tudo o que eu tenho
Ser delicado e esperar
Da-me tempo para te dar
Tudo o que eu tenho
Se me falas de amor
Se suavizas minha vida
Não estarei mais tempo
Sem saber o que eu sinto
Ser delicado e esperar
Da-me tempo para te dar
Tudo o que eu tenho
Ser delicado e esperar
Da-me tempo para te dar
Tudo o que eu tenho

Wednesday, October 22, 2008

Tom Zé "estudando a bossa"

Traduzco la entrevista que Tom Zé concedió al diario O Globo, de Rio, para presentar su nuevo disco, "Estudando a bossa". Divertidísimo como siempre, el músico es capaz de cagarse en lo más sagrado - pero de manera muy fina. En este caso, se divierte imitando un lenguaje que no es el suyo, sino el de los bossanovistas, más intelectuales. La foto del periódico era más divertida que esta de la edición online. Tirada también en el Fuerte de Copacabana, en ella Tom Zé se colocaba en una postura algo rara, que sólo se entendía leyendo el pie de foto: "Tom Zé imitando el Pão de Açúcar". ¿Imaginan? Como dice Rose, Tom Zé es un figuraça. Escuchar: Filho do pato. (Com Márcia Castro!)


Origen: Cuando empecé a componer las músicas, el título no estaba en pauta. Hasta que escribí el verso 'A Doralice me disse no desconsolo seu' y pensé: 'qué verso más bossanovista!'. Fue el grano de arena dentro de la ostra, la incomodidad que genera la perla. No hice una perla, hice un disco.

Transgresiones: La mayoría de veces puse las pillerías, transgresiones y bromas más sabrosas en los últimos 30 segundos de las canciones. Seguí el consejo de los lingüistas, cuando afirman que los radicales informan más que las desinencias.

Expulsado: La bossa nova era algo tan fino que mi calidad de bárbaro me expulsaba de aquello, yo mismo me expulsaba. Al lado de ese alejamiento, sin embargo, existió una atracción desde el momento de su aparición en el mundo.

Puente Rio-Niterói: La ingeniería brasileña sólo consiguió resolver el problema de construir el puente Rio-Niterói cuando hizo la traducción intersemiótica de las enseñanzas de la bossa nova. Sus plataformas flotantes son la traducción en hierro y hormigón de lo que la bossa nova hizo en la música. Lo femenino de las plataformas traduce lo femenino de las síncopas. Y, como la bossa nova, la tecnología del puente fue una creación brasileña exportada. En 1958, en un sólo año, Brasil pasó de exportador de materias primas, el grado más bajo del subdesarrollo humano, a exportador de arte, el grado más alto. Antes, el arte brasileño en el mundo era víctima de la mirada exótica, lo que no sucedió con la bossa nova, un género tan consumado que no permitió ese engaño.

"Chega de saudade": Oí "Chega de saudade" cerca de las dos de la tarde, en la ZYD-8, Radio Excelsior de Bahia. Era algo completamente absurdo, al mismo tiempo que era apasionante, al mismo tiempo que era diferente, al mismo tiempo que salía del vientre de la samba. Mi vida habría sido otra si no hubiera escuchado eso. No tendría tanta fe en la invención si no hubiera vivido una invención de ese porte.

El canto de João Gilberto: Los jóvenes estábamos cansados de los vibratos. Cuando surgió João, vimos que podía haber otro modo, íntimo, de cantar. Lo que fue una explosión. Porque al largo de siglos varias experiencias fueron hechas con la garganta humana. El canto lírico fue fruto de una evolución de generaciones. Pero João, solito en su cuarto de baño de Juazeiro, hizo con la voz humana algo que nunca había sido hecho. Fue el fonoaudiólogo, el esteta del buen gusto, el profesor de anatomía que creó una nueva forma de usar la musculatura de la cara... De hecho, hay dos cuartos de baño que deberían garantizar un Premio Nobel a sus constructores: el de Arquímedes (que, en su bañera, descubrió la ley del empuje) y el de João Gilberto.

La voz usada en este disco: Usamos oketos, que son esos eh, ah, oh, una cosa de las cantilenas de la Edad Media. Algunas cosas aspiradas también. João hacía aspirados, como en 'Bésame mucho'. Y portamentos, que es el hummmmmmm.

Cantantes participantes: Todas fueron generosas, grabaron fuera de su tono. Antes de las grabaciones, copié el primer CD de João Gilberto 12 veces y lo mandé a cada una de ellas, para que entendieran de qué estaba hablando. No para imitarlo, cada una usó aquello de un modo.

Arnaldo Antunes, coautor de cuatro canciones del disco: Me tomé la libertad de meterme en sus letras. En 'Rio arrepio (Badá-badi)' sólo quedó un verso suyo: 'Nunca la tristeza fue tan feliz'. En 'Mulher de música', tuvo una enorme sensibilidad para seguir la idea del verso inicial que hice y escribió unas 10 estrofas, pero en la canción sólo quedaron dos.

Dorival Caymmi: Como en "Chega de saudade", el texto del disco también tiene un PS que hace referencia a él. En ese, era 'PS: Caymmi dice lo mismo'. En el mío es una referencia a su muerte, que no le permite escuchar la canción que le hice, 'Solvador Bahia de Caymmi'.

Tom Jobim: Hice las cuerdas de 'Rio arrepio (Badá-badi)' en el teclado, a la hora de grabar, improvisando, imitando las cuerdas de Tom Jobim. En los arreglos del primer disco de João Gilberto, las cuerdas de Jobim están paradas, sostienen la misma nota por varios compases. Cuando hay un elemento que se mueve mucho, como la guitarra de João, Jobim percibió que otro elemento, parado, gana sentido informacional. 'Samba de una sola nota' es un ejemplo perfecto de ese principio. Como la armonía cambia, la nota nunca es una sola.

Vinicius de Moraes: Era el poeta que escribía en la contraportada de "Canção do amor demais" cosas como 'crestada por la pátina de vida'. Y luego hizo letras que cualquier ama de casa entendía. Esa renuncia, esa entrega, es de una grandeza... Con un abanico pequeño de palabras, aumentó el repertorio de sentimientos de la clase media brasileña.

Funk (música tipo hip-hop nacida en las favelas de Rio): Las olas concéntricas generadas por el impacto de la bossa nova sin duda reventaron en el funk carioca. Se ve en un estribillo como 'Me estoy poniendo muy mojada', que es un metaestribillo (por remitirnos al arte de hacer estribillos), microtonal y plurisemiótico (al usar el sonido y el texto para alcanzar no sólo la audición, sino también el tacto, el olfato, el placer sexual.



PS nada a ver: Since they won't be taken to international courts or put in jail, at least let's laugh at the expense of the leaders of the Republican party for what they've done these last eight years.

[Video no longer available.]

PPS: Na verdade, esse PS não é tão "nada a ver". Porque Tom Zé, ligado em tudo, escreveu aquela música, "Companheiro Bush":

Se você fá sabe quem vendeu
Aquela bomba pro Iraque,
Desembuche.
Eu desconfio que foi o Bush.

Foi o Bush,
Foi o Bush.
Foi o Bush.

Onde haverá recurso
Para dar um bom repuxo
No companheiro Bush.
Quem arranja um alicate
Que acerte aquela fase
Ou corrija aquele fuso,

Talvez um parafuso
Que ta faltando nele
Melhore aquele abuso.
Um chip que desligue
Aquele terremoto,
Aquela coqueluche.

Tuesday, October 21, 2008

Divulgando a literatura em catalão 2

Ontem recebi esta mensagem de um colega de Oficina do ano passado:

"Cara, só escrevo pra te agradecer a indicação da Mercè Rodoreda. Acabei de ler o Mirall Trencat (em português, claro, Espelho Partido) e gostei muito mesmo. Vou ver se consigo outras traduções dela. No mais, era isso, valeu e tudo de bom."

:)

Sunday, October 19, 2008

Frevo (Pecadinho)



La Rose em va enviar aquesta cançó en mp3. ("Lembra da maluquinha que abriu o show da Céu, na Concha Acústica?":) (Como eu não ia lembrar?:) La "maluquinha" és la Márcia Castro, la cançó és de Tom Zé i Tuzé de Abreu*. M'agrada molt la lletra. És una cançó de Carnaval, perfecta per començar el dia (o la nit) animat. (Tchau, vou dançar.)

Esta noite não quero saber de conselho
esquece, deixe pra lá
me arranja um pecado
quente pra me consolar
pense bem que depois
tem o ano inteiro pra gente pagar

Cinqüenta gramas de amor
veja lá, é um bocadinho
vinte gramas até,
venha cá, é tão pouquinho.
Eu vou morrer se você
não quiser
me arranjar um pecadinho.

Se você não quiser
me arranjar um pecadinho.


*O Tuzé de Abreu é outro baiano, mas menos famoso que o Tom Zé. É um cantor, compositor, diretor musical, flautista... Sei lá mais o quê... rsrs. Já trabalhou com Moraes Moreira, Carlinhos Brown e outros talentos. Ele tá em cena há muito tempo, mas não é muito conhecido, eu acho. (Rose)

Obrigadão, Rose.

Thursday, October 16, 2008

Ficar (aos 11)

(NEW! Agora com correções, novas linhas de diálogo e informação imperdível, tudo acrescentado pela própria professora!)


Professora particular:
I must go, it's nine o'clock. I hope you do well in the test, my girl.
Aluna de 11 anos: Thank you very much. I will do. I will be. I will doing...
Prof.: You will do your best.
A.: Sim. I will do my best.
P.: Perfeito. Eu sei que tu é nota A!
A.: Sora, posso te perguntar uma coisa?
P.: Claro.
A.: Tu já ficou?
P.: Se eu o quê? Há há! Como assim, se eu já fiquei?
A.: É que... Bom: eu...
P.: Já... já fiquei. Claro, né?! Mas é que eu sou bem mais velha que tu... Por que tu quer saber?
A.: Promete que não vai contar contar pra minha mãe? Nem pra minha irmã?
P.: Prometo.
A.: É que no colégio tenho quatro pretendentes.
P.: (Ai, meu Deus.) Quatro pretendentes! Nossa! Tem algum bonitão, inteligente e que saiba mais inglês que tu?
A.: Hehe.
P.: E já escolheu algum deles?
A.: Ainda não. Na verdade, eu não sei se eu quero ficar.
P.: Claro. Tu é muito nova ainda. Eu brinquei de Barbie até os 14. E dentro do colégio também não dá pra ficar!
A.: Tu que não sabe! Lá tem muitos cantinhos!
P.: (Ai, meu Deus!) (Muitos cantinhos!)
A.: Algumas amigas minhas já ficaram, sabia?
P.: ?
A.: Já. Eu até ajudei uma amiga a ficar ontem.
P.: Ah, é? E como tu fez isso?
A.: Eu fui por trás, peguei a cabeça dele, peguei a cabeça dela e empurrei um contra o outro. Assim.
P.: Há há! Sério??
A.: Depois saí correndo!!!

Sunday, October 12, 2008

Isto é água, isto é água

Eu evito postar textos que não sejam meus (trechos de romances, letras de músicas, citações, etc.), acho que se o fizesse o blog perderia o sentido. E quando o faço, são traduções, que já ficam meio minhas. Mas, desta vez, com este texto de David Foster Wallace que a Gabriela me enviou, vou fazer uma exceção. Quero postá-lo para tê-lo sempre em mente. E porque é lindo (e triste) e merece muito ser lido. Não é literário, OK? Para textos literários tem o conto Good People (e mais dois) na revista New Yorker. Este que eu posto aqui, que saiu na Revista Piauí deste mês (espero que ninguém me obrigue a retirá-lo!), é um discurso de paraninfo que o escritor fez para formandos do Kenyon College (que deve ser um dos lugares onde ele ensinou escrita criativa).


A liberdade de ver os outros

Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz:
– Bom dia, meninos. Como está a água?
Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:
– Água? Que diabo é isso?

Não se preocupem, não pretendo me apresentar a vocês como o peixe mais velho e sábio que explica o que é água ao peixe mais novo. Não sou um peixe velho e sábio. O ponto central da história dos peixes é que a realidade mais óbvia, ubíqua e vital costuma ser a mais difícil de ser reconhecida. Enunciada dessa forma, a frase soa como uma platitude – mas é fato que, nas trincheiras do dia-a-dia da existência adulta, lugares comuns banais podem adquirir uma importância de vida ou morte.

Boa parte das certezas que carrego comigo acabam se revelando totalmente equivocadas e ilusórias. Vou dar como exemplo uma de minhas convicções automáticas: tudo à minha volta respalda a crença profunda de que eu sou o centro absoluto do universo, de que sou a pessoa mais real, mais vital e essencial a viver hoje. Raramente mencionamos esse egocentrismo natural e básico, pois parece socialmente repulsivo, mas no fundo ele é familiar a todos nós. Ele faz parte de nossa configuração padrão, vem impresso em nossos circuitos ao nascermos.

Querem ver? Todas as experiências pelas quais vocês passaram tiveram, sempre, um ponto central absoluto: vocês mesmos. O mundo que se apresenta para ser experimentado está diante de vocês, ou atrás, à esquerda ou à direita, na sua tevê, no seu monitor, ou onde for. Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real. Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras “virtudes”. Essa não é uma questão de virtude – trata-se de optar por tentar alterar minha configuração padrão original, impressa nos meus circuitos. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser.

Num ambiente de excelência acadêmica, cabe a pergunta: quanto do esforço em adequar a nossa configuração padrão exige de sabedoria ou de intelecto? A pergunta é capciosa. O risco maior de uma formação acadêmica – pelo menos no meu caso – é que ela reforça a tendência a intelectualizar demais as questões, a se perder em argumentos abstratos, em vez de simplesmente prestar atenção ao que está ocorrendo bem na minha frente.

Estou certo de que vocês já perceberam o quanto é difícil permanecer alerta e atento, em vez de hipnotizado pelo constante monólogo que travamos em nossas cabeças. Só vinte anos depois da minha formatura vim a entender que o surrado clichê de “ensinar os alunos como pensar” é, na verdade, uma simplificação de uma idéia bem mais profunda e séria. “Aprender a pensar” significa aprender como exercer algum controle sobre como e o que cada um pensa. Significa ter plena consciência do que escolher como alvo de atenção e pensamento. Se vocês não conseguirem fazer esse tipo de escolha na vida adulta, estarão totalmente à deriva.

Lembrem o velho clichê: “A mente é um excelente servo, mas um senhorio terrível.” Como tantos clichês, também esse soa inconvincente e sem graça. Mas ele expressa uma grande e terrível verdade. Não é coincidência que adultos que se suicidam com armas de fogo quase sempre o façam com um tiro na cabeça. Só que, no fundo, a maioria desses suicidas já estava morta muito antes de apertar o gatilho. Acredito que a essência de uma educação na área de humanas, eliminadas todas as bobagens e patacoadas que vêm junto, deveria contemplar o seguinte ensinamento: como percorrer uma confortável, próspera e respeitável vida adulta sem já estar morto, inconsciente, escravizado pela nossa configuração padrão – a de sermos singularmente, completamente, imperialmente sós.

Isso também parece outra hipérbole, mais uma abstração oca. Sejamos concretos então. O fato cru é que vocês, graduandos, ainda não têm a mais vaga idéia do significado real do que seja viver um dia após o outro. Existem grandes nacos da vida adulta sobre os quais ninguém fala em discursos de formatura. Um desses nacos envolve tédio, rotina e frustração mesquinha.

Vou dar um exemplo prosaico imaginando um dia qualquer do futuro. Você acordou de manhã, foi para seu prestigiado emprego, suou a camisa por nove ou dez horas e, ao final do dia, está cansado, estressado, e tudo que deseja é chegar em casa, comer um bom prato de comida, talvez relaxar por umas horas, e depois ir para cama, porque terá de acordar cedo e fazer tudo de novo. Mas aí lembra que não tem comida na geladeira. Você não teve tempo de fazer compras naquela semana, e agora precisa entrar no carro e ir ao supermercado. Nesse final de dia, o trânsito está uma lástima.

Quando você finalmente chega lá, o supermercado está lotado, horrivelmente iluminado com lâmpadas fluorescentes e impregnado de uma música ambiente de matar. É o último lugar do mundo onde você gostaria de estar, mas não dá para entrar e sair rapidinho: é preciso percorrer todos aqueles corredores superiluminados para encontrar o que procura, e manobrar seu carrinho de compras de rodinhas emperradas entre todas aquelas outras pessoas cansadas e apressadas com seus próprios carrinhos de compras. E, claro, há também aqueles idosos que não saem da frente, e as pessoas desnorteadas, e os adolescentes hiperativos que bloqueiam o corredor, e você tem que ranger os dentes, tentar ser educado, e pedir licença para que o deixem passar. Por fim, com todos os suprimentos no carrinho, percebe que, como não há caixas suficientes funcionando, a fila é imensa, o que é absurdo e irritante, mas você não pode descarregar toda a fúria na pobre da caixa que está à beira de um ataque de nervos.

De qualquer modo, você acaba chegando à caixa, paga por sua comida e espera até que o cheque ou o cartão seja autenticado pela máquina, e depois ouve um “boa noite, volte sempre” numa voz que tem o som absoluto da morte. Na volta para casa, o trânsito está lento, pesado etc. e tal.

É num momento corriqueiro e desprezível como esse que emerge a questão fundamental da escolha. O engarrafamento, os corredores lotados e as longas filas no supermercado me dão tempo de pensar. Se eu não tomar uma decisão consciente sobre como pensar a situação, ficarei irritado cada vez que for comprar comida, porque minha configuração padrão me leva a pensar que situações assim dizem respeito a mim, a minha fome, minha fadiga, meu desejo de chegar logo em casa. Parecerá sempre que as outras pessoas não passam de estorvos. E quem são elas, aliás? Quão repulsiva é a maioria, quão bovinas, e inexpressivas e desumanas parecem ser as da fila da caixa, quão enervantes e rudes as que falam alto nos celulares.

Também posso passar o tempo no congestionamento zangado e indignado com todas essas vans, e utilitários e caminhões enormes e estúpidos, bloqueando as pistas, queimando seus imensos tanques de gasolina, egoístas e perdulários. Posso me aborrecer com os adesivos patrióticos ou religiosos, que sempre parecem estar nos automóveis mais potentes, dirigidos pelos motoristas mais feios, desatenciosos e agressivos, que costumam falar no celular enquanto fecham os outros, só para avançar uns 20 metros idiotas no engarrafamento. Ou posso me deter sobre como os filhos dos nossos filhos nos desprezarão por desperdiçarmos todo o combustível do futuro, e provavelmente estragarmos o clima, e quão mal-acostumados e estúpidos e repugnantes todos nós somos, e como tudo isso é simplesmente pavoroso etc. e tal.

Se opto conscientemente por seguir essa linha de pensamento, ótimo, muitos de nós somos assim – só que pensar dessa maneira tende a ser tão automático que sequer precisa ser uma opção. Ela deriva da minha configuração padrão.

Mas existem outras formas de pensar. Posso, por exemplo, me forçar a aceitar a possibilidade de que os outros na fila do supermercado estão tão entediados e frustrados quanto eu, e, no cômputo geral, algumas dessas pessoas provavelmente têm vidas bem mais difíceis, tediosas ou dolorosas do que eu.

Fazer isso é difícil, requer força de vontade e empenho mental. Se vocês forem como eu, alguns dias não conseguirão fazê-lo, ou simplesmente não estarão a fim. Mas, na maioria dos dias, se estiverem atentos o bastante para escolher, poderão preferir olhar melhor para essa mulher gorducha, inexpressiva e estressada que acabou de berrar com a filhinha na fila da caixa. Talvez ela não seja habitualmente assim. Talvez ela tenha passado as três últimas noites em claro, segurando a mão do marido que está morrendo. Ou talvez essa mulher seja a funcionária mal remunerada do Departamento de Trânsito que, ontem mesmo, por meio de um pequeno gesto de bondade burocrática, ajudou algum conhecido seu a resolver um problema insolúvel de documentação.

Claro que nada disso é provável, mas tampouco é impossível. Tudo depende do que vocês queiram levar em conta. Se estiverem automaticamente convictos de conhecerem toda a realidade, vocês, assim como eu, não levarão em conta possibilidades que não sejam inúteis e irritantes. Mas, se vocês aprenderam como pensar, saberão que têm outras opções. Está ao alcance de vocês vivenciarem uma situação “inferno do consumidor” não apenas como significativa, mas como iluminada pela mesma força que acendeu as estrelas.

Relevem o tom aparentemente místico. A única coisa verdadeira, com V maiúsculo, é que vocês precisam decidir conscientemente o que, na vida, tem significado e o que não tem.

Na trincheira do dia-a-dia, não há lugar para o ateísmo. Não existe algo como “não venerar”. Todo mundo venera. A única opção que temos é decidir o que venerar. E o motivo para escolhermos algum tipo de Deus ou ente espiritual para venerar – seja Jesus Cristo, Alá ou Jeová, ou algum conjunto inviolável de princípios éticos – é que todo outro objeto de veneração te engolirá vivo. Quem venerar o dinheiro e extrair dos bens materiais o sentido de sua vida nunca achará que tem o suficiente. Aquele que venerar seu próprio corpo e beleza, e o fato de ser sexy, sempre se sentirá feio – e quando o tempo e a idade começarem a se manifestar, morrerá um milhão de mortes antes de ser efetivamente enterrado.

No fundo, sabemos de tudo isso, que está no coração de mitos, provérbios, clichês, epigramas e parábolas. Ao venerar o poder, você se sentirá fraco e amedrontado, e precisará de ainda mais poder sobre os outros para afastar o medo. Venerando o intelecto, sendo visto como inteligente, acabará se sentindo burro, um farsante na iminência de ser desmascarado. E assim por diante.

O insidioso dessas formas de veneração não está em serem pecaminosas – e sim em serem inconscientes. São o tipo de veneração em direção à qual você vai se acomodando quase que por gravidade, dia após dia. Você se torna mais seletivo em relação ao que quer ver, ao que valorizar, sem ter plena consciência de que está fazendo uma escolha.

O mundo jamais o desencorajará de operar na configuração padrão, porque o mundo dos homens, do dinheiro e do poder segue sua marcha alimentado pelo medo, pelo desprezo e pela veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e liberdade pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossas caveiras, onde reinamos sozinhos.

Esse tipo de liberdade tem méritos. Mas existem outros tipos de liberdade. Sobre a liberdade mais preciosa, vocês pouco ouvirão no grande mundo adulto movido a sucesso e exibicionismo. A liberdade verdadeira envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e capacidade de efetivamente se importar com os outros – no cotidiano, de forma trivial, talvez medíocre, e certamente pouco excitante. Essa é a liberdade real. A alternativa é a torturante sensação de ter tido e perdido alguma coisa infinita.

Pensem de tudo isso o que quiserem. Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte. A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência – consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor – daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: “Isto é água, isto é água.”

É extremamente difícil lembrar disso, e permanecer consciente e vivo, um dia depois do outro.

Friday, October 10, 2008

Em crise

Na última aula da Oficina de Criação Literária (eu tô assistindo, mesmo que não pareça, pois faz séculos que não posto um conto (pra não dizer não escrevo)) o professor falou em plágios intencionais, paráfrases, paratextos, hipotextos, hipertextos, transex - não, trans, peraí. Transtextualidade, etc.: essas coisas muuudernas (vou escrever muuuderno como a Carol Bensimon - já estou plagiando viu; assim dou uma risada), sabe né?; dá pra adicionar "mise en abîme", en français, que o professor também usou: fica meio antiquado, mas os mudernos podem não saber. Ele, o professor, pediu pra nós fazer uma dessas coisas, mas nos deu exemplos do mundo da pintura (ele gosta, eu também, tudo bem). Projetou três versões do "Concerto Campestre", de... não me lembro quem (não me lembro, sério, um pintor renascentista); essa não é versão, né?, é a original: projetou essa e depois a de Manet; não achou a de Picasso e vimos uma terceira, mas também não sei de quem. E já que estava com Picasso citou "As meninas" (não sei se é com m ou com M). Não, foi um colega que citou "As Meninas". (Aparte: "Las meninas": quadro mais incrível que eu já vi; sério. Ao vivo, tem que ser ao vivo; sério, juro, tem que ir a Madri.) Esse - ou essa (acho que essa, pois tem mais mulher) colega citou "Las Meninas", e foi então que o professor a deu como exemplo (nada demais - sério; essa está em Barcelona, mas tem picassos mais chulos em Paris, à Paris - aliás o museu Picasso de Barcelona, mm, sério). Eu, então, mais... Mais o quê?, não sei, mais espanhol que o professor, pensei na versão do Equipo Crónica. E até fiz uma busca (é né?, não é "um busca") - I googled, iiihh, não agüento essa - no computador, queria mostrar aos colegas como essa versão era divertida, tão colorida e super pop. Mas fiquei quieto, melhor ser prudente (também não sei nada do tal equipo - SÉRIO). Só que em casa I googled anew - iiiihhh. Busquei e achei outra versão muito mais tri legal, só que do Gernika (o professor também falou do Gernika, se não nessa aula, na anterior, também eu não escuto o tempo todo). Adorei, e essa é a que eu vou postar aqui. Sério. Agora sério mesmo, o post vira sério, porque o quadro é pop mas é sério. Que nem a crise. ("El mundo se derrumba y nosotros de rumba": minha irmã escreveu isso, mas também não é dela - plagiou de alguém. Está na África, ela - sério - e não sabe de nada, acho que porque lá não tem Internet, ou porque lá a crise é..., enfim, a vida é f..., a vida é uma crise - e os irmãos também não escrevem pra ela contando.) Tava dizendo que na verdade este post não faz sentido, é mais porque eu não tinha conto pra postar, nem post pra escrever, nada. Mas gostei do quadro do Equipo Crónica, de Madri (na verdade não é nem um equipo, né?, acho que eram dois; e só acho que eram de Madri). Aqui.