Thursday, November 29, 2007

Mais um pôr-do-sol no Guaíba (ah!, mas é sempre diferente!)




Daqui a umas horas estarei voando para Barcelona. Se preparem, amigos catalães, que logo estou aí! Se preparem, amigos brasileiros, que daqui a pouco eu volto, não vão se livrar de mim!

Saturday, November 24, 2007

Aborto

E olha esta de uma mulher "anti-aborto" (ou "pró-vida", como eles gostam de serem chamados) em uma carta à Folha:

"Se as pessoas que são a favor do aborto tivessem sido abortadas, hoje teríamos menos gente a favor do extermínio e mais gente a favor do respeito à vida."

Hein?

Aborto elétrico pra ela!


PS: O ministro da Saúde do governo Lula, José Gomes Temporão, a favor da descriminalização do aborto e de tratar o problema como uma questão não ética e sim de saúde pública, é chamado de "ministro da Morte" por pessoas como a assinante da carta.

Cada ano, centenas de mulheres pobres morrem no Brasil em operações de aborto realizadas em condições ruins; cada ano são realizadas centenas de milhares de operações de aborto (segundo a ONU, mais de um milhão); mulheres ricas abortam em clínicas privadas ou em paises onde o aborto é permitido.


...

Wednesday, November 21, 2007

A partida

Quarto exercício do curso de criação literária da Faculdade de Letras da PUCRS. O exercício consistiu em escrever um conto a partir dos dois primeiros parágrafos de "A partida", de Osman Lins. Além de buscar uma possível continuação e finalização da história, procurei respeitar o estilo e o tom.


Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, reconheço que mudei bastante. Verifico também que estava aflito e que havia um fundo de mágoa ou desespero em minha impaciência. Eu queria deixar minha casa, minha avó e seus cuidados. Estava farto de chegar a horas certas, de ouvir reclamações; de ser vigiado, contemplado, querido. Sim, também a afeição de minha avó incomodava-me. Era quase palpável, quase como um objeto, uma túnica, um paletó justo que eu não pudesse despir.

Ela vivia a comprar-me remédios, a censurar minha falta de modos, a olhar-me, a repetir conselhos que eu já sabia de cor. Era boa demais, intoleravelmente boa e amorosa e justa. Na véspera da viagem, enquanto eu a ajudava a arrumar as coisas na maleta, pensava que no dia seguinte estaria livre e imaginava o amplo mundo no qual iria desafogar-me: passeios, domingos sem missa, trabalho em vez de livros, mulheres nas praias, caras novas. Como tudo era fascinante! Que viesse logo. Que as horas corressem e eu me encontrasse imediatamente na posse de todos esses bens que me aguardavam. Que as horas voassem, voassem!

Aluguei um apartamento longe do centro da cidade, longe da praia. Um apartamento que, ao tudo, tinha o tamanho do quarto na casa que acabava de abandonar. Era bom morar sozinho, cuidar de mim. Não ter de responder a ninguém mais por meus atos, somente a mim. Era revigorante! Sem demorar, já na primeira semana, dediquei-me em corpo e alma a percorrer as agências da cidade, me oferecendo para o trabalho de jornalista, aquele que tanto ansiava. Mulheres bonitas, muito enfeitadas, atenciosas, recusavam invariável e gentilmente meus serviços e me animavam a não desistir. Eu insistia e insistia, e no fim do dia ainda conservava o bom humor, e ficava pensando no dia seguinte enquanto bebia cerveja num boteco perto de casa, da minha nova casa.

Aos poucos cansei-me de sair em busca de emprego, de usar elevadores, de sorrir para jornalistas que, mesmo devolvendo meu sorriso e dirigindo-me algumas palavras amáveis, não tinham interesse real em mim. Então comecei a perambular pelas ruas, e não raro acabava caminhando à beira mar, onde homens e mulheres de corpos jovens e elásticos conversavam deitados na areia, fruindo o sol, bebendo suco, longe da rebentação. Eu, passeando ou sentado num dos bancos da calçada, olhava-os com uma mistura de inveja e desdém, perguntando-me qual era sua ocupação, porque não estavam nesses escritórios dos prédios altos do centro, digitando relatórios, atarefados, subindo e descendo pelo elevador.

Unir-me ao grupo de corpos morenos e lânguidos deitados na praia parecia-me inalcançável, e as portas das fervilhantes redações dos jornais não estavam abertas para mim. Depois de um mês, recebi uma carta da minha avó, que reclamava veladamente do tédio e da solidão encontrados no asilo, na Serra, e interessava-se por minha nova vida, vida “cheia de emoção”. Não percebi ironia nas suas palavras, e deu-me um aperto ver que a velhinha olhava ainda pela minha saúde, que ela sempre pensou que fosse fraca, sem eu ter lhe dado nunca motivos para isso. Provavelmente por causa da morte prematura de meus pais, ela me via como um bicho temerário, um animal sem carapaça abandonado num mundo demasiado incompreensível e cruel.

Meus passeios fizeram-se cada vez mais longos, e roubavam as horas e os dias antes dedicados à busca por trabalho. À falta de oportunidades somou-se uma vontade cada vez menor de me encerrar num escritório, e tive a hilariante sensação de poder viver, quem sabe!, ociosamente para sempre, à imitação daqueles jovens das praias. Familiarizei-me com todos os recantos do meu bairro, e dos bairros da vizinhança, e de alguns morros; só não voltei às ruas e avenidas cinzentas do centro da cidade. Ao anoitecer, conversava com minhas únicas amizades, amigos do boteco: pessoas tão desocupadas quanto eu. E dormia sem pensar no que ia fazer ao acordar.

Quando o dinheiro acabou chegou-me a notícia da morte da minha avó, que partiu sem nunca saber de meu fracasso, embora talvez o suspeitasse, pois tinha me criado e amado e no fundo conhecia-me bem. A oportunidade dessa morte me deixou incomodado, fez-me sentir culpado, embora a notícia não fosse inesperada: minha avó era velha e sofria de uma estranha doença. Fiquei mais apenado ainda por não poder assistir ao enterro, e encontrei uma justificação na minha paupérrima situação econômica. Essa, contra minhas inconfessáveis expectativas, não mudou. A casa havia sido vendida para custear o asilo, e minha avó deixou-me em herança somente três trajes surrados de seu marido, morto antes de eu nascer.

O que eu havia considerado uma liberdade forçada chegou ao fim. Vendi os trajes e todos os pertences que achei que podia dispensar, e o apartamento quedou reduzido a um mero e triste colchão no chão. A partida da velha, minha única parenta, converteu-me em uma pessoa desiludida, conformada, paciente, sem ambição, sem nada: um asceta. Passei fome, estive doente. Era livre, mas que liberdade era essa! Nesse mesmo mês comecei a trabalhar. Durante um ano fui varredor de rua, pedreiro, assistente de mecânico, vigia noturno num armazém de fogos de artifício, vendedor de livros para crianças, aprendiz de cabeleireiro. O dinheiro que ganhei foi pouco, mas minhas despesas não iam além do aluguel e uma comida por dia.

Vejo hoje que a morte de minha avó, cujos cuidados, atenções e afagos tanto me haviam irritado, cujo amor asfixiante me havia levado a tomar a decisão de partir, fez de mim a pessoa que eu achava que eu era quando subi a esse trem. Me dou conta hoje que esses bens difusos, que eu pressentia mas não sabia exatamente quais eram, mulheres?, praias?, fascinantes amizades?, não estavam esperando por mim; que o que encontrei não foi aquilo que eu buscava, só o pareceu, nos primeiros meses, quando a cidade ofereceu-se-me como um oasis, uma ilusão. O que vai ser da minha vida agora, só Deus sabe. Seja! Eu só sei que não vou embora daqui.

Sunday, November 18, 2007

POATV

Nova emissão da TV do Rugê: Porto Alegre Te Vê
Nueva emisión de la TV de Roger: Porto Alegre Te Ve

Segunda parte do programa: "Dança no pátio da Usina do Gasômetro" / "Danza en el patio de la Usina do Gasômetro"

PS: Minha querida Rose, de Salvador, escreve que nem imagina o nome do grupo, mas que a música, que eu também não sabia qual era, é "Eu quero é botar meu bloco na rua", de Sérgio Sampaio. Ela explica que até um tempinho seu carnaval só começava de verdade quando escutava essa música, fosse na rádio ou na rua. E manda a letra da música, que é esta aqui. Obrigadão, Rose!!!

Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga
Que eu caí do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou

Há quem diga que eu não sei de nada
Que eu não sou de nada e não peço desculpas
Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira
E que Durango Kid quase me pegou

Eu, por mim, queria isso e aquilo
Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso
É disso que eu preciso ou não é nada disso
Eu quero todo mundo nesse carnaval...

Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender



Saturday, November 17, 2007

POATV

Nova emissão da TV do Rugê: Porto Alegre Te Vê
Nueva emisión de la TV de Roger: Porto Alegre Te Ve

Programa: "Dança no pátio da Usina do Gasômetro" / "Danza en el patio de la Usina do Gasômetro"

PS: Se alguém souber o nome do grupo, por favor informe.

Wednesday, November 14, 2007

Armas

Vuelvo al tema. O no sé, no sé si vuelvo porque quizás en su día no lo traté. Puede ser que estuviera demasiado estupefacto como para tratarlo. En octubre de 2005 el gobierno Lula realizó un referendum para prohibir la comercialización de armas de fuego en todo el país (estoy preparando una lista con todo lo que el gobierno Lula ha hecho y está haciendo bien, a pesar de lo que digan las clases A y B). El resultado fue desalentador (y, en el caso de la región Sur, donde yo estoy, para mí, vergonzoso): el 64% votó contra la prohibición, es decir, a favor de poder seguir comprando armas (en el Sur, el 80%). De nada sirvieron mis intentos de convencer a personas cercanas de que las armas que acababan en manos de criminales eran al principio compradas legalmente; ni éste, ni otros argumentos más de sentido común (más armas, más muertos). Sólo me consoló (consuelo estúpido) que algunos escritores y músicos a quienes admiro opinaran como yo, y que también opinara como yo uno de los amigos más cultos de Gabriela (¡sólo uno!). Pero eso es cosa del pasado.

Vuelvo al tema porque hoy sale en los periódicos que irá a votación en el Congreso una propuesta para flexibilizar todavía más la venta de armas. Voy a escribir el nombre de ese señor aquí (él es el principal impulsor de la propuesta, no el único: a su lado están otros 20 diputados). El diputado gaucho (¡cómo no!) Pompeo de Mattos, del PDT, propone que se exima a los compradores de escopetas del examen psicológico y técnico; que se amplíe de tres a cinco el plazo de vigencia del registro de un arma; que se reduzca el número de documentos necesarios para el registro, como la comprobación de que no se está respondiendo a una investigación policial o a un proceso criminal (es serio, no me lo estoy inventando: edición del periódico Zero Hora de hoy).

Integrantes del Movimiento Viva Rio, que trabaja en las favelas de Río de Janeiro, ya están en Brasilia para intentar convencer a los diputados de que voten en contra de la propuesta, pero probablemente fracasarán, como fracasaron con ocasión del referendum de 2005. Fracasarán, y Río de Janeiro, junto con el resto de grandes capitales del país, seguirá presentando números de muertes violentas propios de los países en guerra civil. Porque Brasil vive de facto una guerra civil. Si no, que se lo pregunten a los cariocas de la periferia de Río que cada día van a trabajar al centro o a la zona sur y vuelven a casa arriesgando sus vidas bajo lluvias de balas (revista Piauí, edición del mes de septiembre, testimonio de un joven dependiente del supermercado Zona Sul de la plaza General Osório, Ipanema -al que yo iba cuando viví en casa de Isabel).

Pra frente, Brasil!

Saturday, November 10, 2007

El niño araña



El niño de la foto, llamado Riquelme (gran Riquelme, ya me cae simpático; tengo que escribir un día sobre los niños latinoamericanos llamados Suarzeneguer, JFK, etc.) Wesley dos Santos, de cinco años, salvó ayer a un "bebé de un año y diez meses" (¿bebé o niño pequeño?) sacándolo, o sacándola, porque es niña, de su casa, que estaba siendo "consumida por el fuego" (sinónimo de "siendo pasto de las llamas"). (En fin, los periodistas con su lenguaje...) Sucedió en Santa Catarina, Estado al norte de Rio Grande do Sul, y la casa se quemó casi totalmente: barrio pobre, casa de madera. El caso es que la madre de la niña se puso a gritar, y Riquelme, que estaba jugando ahí al lado vestido de hombre araña, le dijo que se tranquilizara que él salvaría a su hija. Se metió dentro de la casa (de la que la madre había tenido que salir, porque estaba realmente ardiendo), agarró a la niña por la pierna y la sacó de allí. Los bomberos llegaron tarde. Preguntaron al niño si no tuvo miedo, y éste contestó:

- Claro que no. El hombre araña es fuerte y no tiene miedo de nada.

Ahora el niño de cinco años es un héroe nacional, pero alguien debería quitarle el disfraz, si no no va a llegar a cumplir los 15.

Traduccions de Brasil 38 (Alguns toureiros, de João Cabral de Melo Neto)

Como tantos poetas latinoamericanos, João Cabral de Melo Neto fue también diplomático. Vivió en Madrid, Sevilla, Barcelona (editó libros con Joan Miró), Cádiz, Marsella, Lisboa, Porto, Ginebra, Londres, Quito, Asunción, Dakar. Pero de todos estos lugares, dos le acompañaron siempre y marcaron su poesía. Escribe en Autocrítica: "Só duas coisas conseguiram / (des)ferí-lo até a poesia: / o Pernambuco, de onde veio / e aonde foi, Andaluzia. / Um o vacinou do falar rico / e deu-lhe a outra, fêmea e viva, / desafio demente: em verso / dar a ver Sertão e Sevilha."

(Los antitaurinos pueden leer este poema, porque trata del arte de escribir poemas.)


Yo vi a Manolo González
y Pepe Luís, de Sevilla:
precisión dulce de flor,
graciosa, pero precisa.

Vi también a Julio Aparicio,
de Madrid, como Parrita,
ciencia fácil de flor,
espontánea, pero estricta.

Vi a Miguel Báez, Litri,
del confín de Andalucía,
que cultivaba otra flor
angustiosa y explosiva.

Y también a Antonio Ordoñez
que cultiva flor antigua:
perfume de encaje viejo
de flor en libro dormida.

Pero vi a Manuel Rodríguez,
Manolete, el más desierto,
el torero más agudo
más mineral y despierto,

el de nervios de madera,
de puños secos de fibra,
el de figura de leña,
leña seca de catinga,

el que a la tragedia dio número
al vértigo, geometría
decimales a la emoción
y al susto, peso y medida.

Sí, vi a Manuel Rodríguez,
Manolete, el más asceta,
no sólo cultivar su flor
sino demostrar a los poetas:

cómo dominar la explosión
con mano serena y contenida,
sin dejar que se derrame
la flor que trae escondida,

y cómo, entonces, trabajarla
con mano cierta, poca y extrema:
sin perfumar su flor,
sin poetizar su poema.

Thursday, November 08, 2007

De la vida a la novela a la vida...

En la TV Cultura están entrevistando a un "ex presidiário/escritor". El hombre cuenta que estuvo encerrado en una celda "fuerte": con una placa de acero en la ventana, sólo con agujeritos para dejar pasar el aire, y entrada cerrada, también de acero, con una mirilla para el vigía y una trampilla para pasar la comida. Dice que no tenía nada, que no podía fumar, que no podía hablar con nadie; que se desesperaba, se estaba volviendo loco. Hasta que descubrió que, a través del retrete, podía comunicarse con otro recluso, alguien que estaba en la celda de enfrente. Cuenta que ese recluso -que luego, después de 30 años de prisión, volvió a robar y murió de un tiro de un policía- fue una de las personas más importantes de su vida. Dice que era poeta, leía mucho, y ya llevaba seis años encerrado. Así, ambos empezaron a usar los retretes como teléfono. Cuando el vigía apagaba la luz y se retiraba, ellos tiraban de las descargas y empezaban a conversar, con la cabeza metida en el vaso. El recluso antiguo empezó a contarle historias. Le contó Los miserables, de Victor Hugo. Cada noche un poquito. (Cuando al cabo de un año salió de la celda "fuerte", el amigo le dio una lista con los libros que podía encontrar en la biblioteca de la prisión y que le podían gustar; y le ayudó a escribir unas cartas para su madre.)

La historia me dejó maravillado porque es la misma -y más interesante todavía, más excepcional, más dura...- que Manuel Puig cuenta en El beso de la mujer araña, novela sobre las películas que el preso más viejo, homosexual, intelectual, cuenta al preso más joven, revolucionario, poco interesado en la cultura, para sobrevivir en la prisión, en Buenos Aires.

Wednesday, November 07, 2007

Traduccions de Brasil 37 (parte de la poesía Os três mal-amados, de João Cabral de Melo Neto)

El amor comió mi nombre, mi identidad, mi retrato. El amor comió mi certificado de nacimiento, mi genealogía, mi dirección. El amor comió mis tarjetas de visita. El amor vino y comió todos los papeles en que yo había escrito mi nombre.

El amor comió mis ropas, mis pañuelos, mis camisas. El amor comió metros y metros de corbatas. El amor comió la medida de mis trajes, el número de mis zapatos, el tamaño de mis sombreros. El amor comió mi altura, mi peso, el color de mis ojos y de mis cabellos.

El amor comió mis remedios, mis recetas médicas, mis dietas. Comió mis aspirinas, mis resonancias magnéticas, mis rayos x. Comió mis tests mentales, mis exámenes de orina.

El amor comió en la estantería todos mis libros de poesía. Comió en mis libros de prosa las citas en verso. Comió en el diccionario las palabras que podrían juntarse en versos.

Hambriento, el amor devoró los utensilios de mi uso: peine, navaja, cepillos, tijeras de uñas. Todavía hambriento, el amor devoró el uso de mis utensilios, mis baños fríos, la ópera cantada en la ducha, el pequeño calentador de gas que parecía una fábrica.

El amor comió las frutas puestas sobre la mesa. Bebió el agua de los vasos y de las cisternas. Comió el pan escondido a propósito. Bebió las lágrimas de los ojos que, nadie lo sabía, estaban llenos de agua.

El amor volvió para comer los papeles en que irreflexivamente yo volví a escribir mi nombre.

El amor royó mi infancia, los dedos sucios de tinta, cabellos cayendo sobre los ojos, botas nunca embetunadas. El amor royó al niño esquivo, siempre en los rincones, y que rayaba los libros, mordía el lápiz, andaba por la calle chutando piedras. Royó las conversaciones, al lado de la bomba de gasolina de la plaza, con los primos que lo sabían todo sobre los pájaros, sobre una mujer, sobre marcas de automóvil.

El amor comió mi Estado y mi ciudad. Drenó el agua muerta de los manglares, abolió la marea. Comió los manglares rizados y de hojas duras, comió el verde ácido de las plantas de caña que cubrían los cerros regulares, cortados por las barreras, por el trencito negro, por las chimeneas. Comió el olor de caña cortada y el olor de mar. Comió hasta las cosas que me desesperaban por no poder hablar de ellas en verso.

El amor comió hasta los días todavía no anunciados en las hojas de calendario. Comió los minutos de adelanto de mi reloj, los años que las líneas de mi mano aseguraban. Comió al futuro gran atleta, al futuro gran poeta. Comió los futuros viajes alrededor de la tierra, las futuras estanterías alrededor de la sala.

El amor comió mi paz y mi guerra. Mi día y mi noche. Mi invierno y mi verano. Comió mi silencio, mi dolor de cabeza, mi miedo de la muerte.

Thursday, November 01, 2007

Uma canoa, um rio

Muito bem. Finalmente resolvi postar o conto que escrevi a semana passada e que hoje recebi de volta do professor.

Terceiro exercício do curso de criação literária da Faculdade de Letras da PUCRS. Estrutura inversa.


Para Gabriela.


Era uma vez uma mãe que levou um filho a uma bienal.
- Mamãe, o que é uma bienal? - o filho tinha perguntado.
- Uma bienal é um lugar cheio de obras esquisitas e modernas. Que nem um museu, só que muito mais divertido - explicou a mãe. - Você sabe o que é, moderno?

Mãe e filho chegaram a um dos armazéns que sediavam a bienal e encaminharam-se para um espaço chamado "Terceira margem". Era domingo, de manhã cedo, e, excetuando duas mediadoras, não havia ninguém mais.
- Olha - falou a mãe, chamando a atenção do filho para umas letras pretas, grandes, coladas numa parede branca.

A mãe leu devagar:
- O que aconteceria se...? Uma família aparentemente comum: um pai, uma mãe, um casal de filhos. Uma canoa. Um rio. Um pedaço qualquer do mundo. O que aconteceria se o pai entrasse de repente na canoa e não saísse, nunca mais?

A mãe olhou para o filho com os olhos bem abertos, a boca meio aberta também. O filho, quieto, continuava a olhar as letras pretas.
- O que aconteceria?
Do lado, na mesma parede, havia, penduradas em cordéis, que nem roupa a secar, filas de folhas escritas por crianças.

A mãe pegou a primeira e leu:
- "A família ficaria desnorteada e pensaria que foi castigo por alguma coisa". Você acha que foi castigo, filho?
O filho encolheu os ombros. A mãe leu outra folha:
- "O pai subiu na canoa em desespero por suas dívidas mensais".
E outra:
- "Joaninha, a filha mais velha, falou: Mãe, o pai enlouqueceu! Entrou na canoa, diz que de lá não sai nunca mais!".

- O que é enlouqueceu? - perguntou o filho.
- Enlouquecer é virar louco - respondeu a mãe. - Você acha que o homem da canoa enlouqueceu?
O filho olhou para ela pensativo, e falou:
- Não acho.
- Então o que lhe aconteceu?
O filho levantou os braços no ar:
- Não sei!
- Hmmm... Sabe que eu acho que eu sei?
- Sabe?
- Quer saber?
- Quero!
E mãe e filho sentaram-se em dois cubos pretos que não pareciam cadeiras.

Era uma vez um pai..., começou a mãe. E parou. Mas vamos começar pelo final, disse. O pai, que se chamava Alcindo, alimentava-se daquilo que a filha mais velha, Joaninha, deixava-lhe cada dia à margem do rio. Mas Alcindo tinha esquecido o nome da filha. Havia muito tempo não falava com ninguém, pois morava no meio do rio. E tinha esquecido todos os nomes, inclusive o seu.
O filho interrompeu-a:
- Que nem o vovô?
Que nem o avô.

Joaninha vivia sozinha na casa da beira do rio. O irmão havia casado e morava na cidade, e a mãe havia ido morar com ele anos depois de que o pai, segundo ela, enlouquecera.
- Mas ele não enlouqueceu...! - protestou o filho.
Nós sabemos isso, falou a mãe. Mas, sabe que o próprio Alcindo às vezes acreditava que sim?

Um dia, de manhã, Alcindo desceu à cozinha, onde a mulher estava. Reconheceu os cabelos e a roupa colorida dela, mas a cara, ele pensou, não era exatamente a cara de sua mulher. Assustado, saiu de casa, foi para a roça e não voltou até o anoitecer.
- E então foi para o rio? - perguntou o filho.
Escuta.

Alcindo desconfiava que isso fosse acontecer. Meses atrás, havia chamado a mulher de Maria, de Joaquina, de Noélia e de Lúcia, sendo que o nome dela, eu não lhe contei, era Isabel.
- Que nem o vovô faz comigo! - riu o filho.
É. Contigo e comigo. Nesse momento Isabel riu, como você está rindo. Achou que fosse uma piadinha do marido. Alcindo sorriu, mas logo subiu ao seu quarto e chorou.

Outras vezes ele esquecia o que fazia. Um ano antes do que acabei de contar, estando na roça, na pequena horta da família, foi pegar uma enxada no depósito. Queria cavar a terra e plantar berinjelas. Mas então, com a enxada na mão, não soube para que a precisava. E ficou lá no escuro, olhando uma atrás da outra o resto de ferramentas penduradas. Esse tipo de esquecimentos lhe aconteciam igualmente em casa.
- Eu esqueço coisas também.
Você é distraído, filho, sorriu a mãe. E adicionou: Todo o mundo esquece. É normal.

Não era a primeira vez. Alcindo adorava cuidar da horta e passear na roça, só que já não o fazia com a alegria habitual, porque não se lembrava dos nomes dos pássaros e das árvores. Para não esquecê-los, ideou uma estratégia: joão de barro para ele virou jô, muito mais fácil, bentevi virou bi. Os jequitibás converteram-se em ibás. E encurtou seu próprio nome para Al. Foi nessa época que mandou construir a canoa.

A estratégia era inteligente, serviu-lhe durante muitos meses. Mas depois aconteceu o que contei. E no dia em que não reconheceu a mulher, levou a cabo o que havia começado a planejar tanto tempo atrás, quando esqueceu para sempre o nome de todas as árvores. Despediu-se da mulher, despediu-se da filha, e remou até o meio do rio na canoa que havia mandado construir.

- E o que lhe aconteceu?
Ficou lá no meio do rio, longe e perto da família, e não voltou a falar. À noite, recolhia a comida que Joaninha, às escondidas da mãe, deixava à margem do rio. Isabel, que nada entendia, desesperou-se e acabou indo morar com o filho. Al, quando as águas cresciam, amarrava a canoa no toco duma árvore, numa ilha.
- Mas o que lhe aconteceu?

Um dia, quando já tinha esquecido quem era Joaninha, esqueceu também seu propósito. As águas baixavam tranqüilas, a canoa quase não se mexia, e Al olhou os remos estranhado. Não sabia o que eram, nem para que serviam. E as mãos dele, ao mesmo tempo, também perderam a força necessária para sustê-los. Deixou-os cair. Encolheu-se no fundo da canoa, que nem um bebê, deixou que o rio o levasse.
- Foi para o mar?
Foi levado suavemente até o mar.

Mãe e filho viram também - e nessa hora o armazém já estava cheio - uma longa parede pintada de verde e azul, representando a cor da terra e a cor do céu, que para os índios que moram perto do rio Uruguai são uma cor só. Depois, na loja de lembranças da bienal, compraram uma xícara. Saíram do armazém ao meio-dia.

Caminharam pela rua da Praia, subiram a rua General Bento Martins. Passaram pela confeitaria para recolher uma torta de maracujá. Aos domingos era costume almoçar na casa dos avós. Ele, homem alto, recebeu-os no portão. Deu dois beijos na filha e apertou a bochecha do neto. Chamou-os de Cristina e de Daniel. Que não eram exatamente seus verdadeiros nomes.