Wednesday, February 22, 2012

Ficar em albergue é tudo de bom... (ou sobre universidades e outras baixarias)

... E se o albergue é novinho e/ou charmoso, ainda mais - este HI de Porto Alegre é novo, abriu em dezembro. E se o albergue esta numa zona, no caso, numa rua de prostitutas e travestis, pode ser muito engraçado. (Nota: Conheci mais pessoas em quatro dias aqui, de Curitiba, BH, São Paulo,... do que em anos no apart-hotel da Demétrio.) Ontem foi noite de cerveja e bate-papo na calçada, na porta do albergue (não tem botecos na São Carlos, nem na Farrapos/Gaspar Martins, na Cristóvão estava tudo fechado): conversa sobre as universidades brasileiras, sobre a Europa afundando, sobre os travestis. Com destaque para um cara de Brasilia, colega de quarto, muito inteligente e engraçado. Primeiro, quando soube o que aconteceu comigo na seleção ao doutorado, deu-me uma lição de como funcionam as coisas nas universidades do país (ele trabalha na UnB; fala com as inflexões de voz e a rapidez de um Renato Russo mas com um timbre agudo, como de criança). Não disse quase nada que eu não soubesse pelas pessoas com quem já falei. Tipo: projeto inovador, não passa; projeto ousado, ambicioso, complexo, etc., não pode (ou também, por exemplo: se na UnB o candidato não fala em Darcy Ribeiro, se ferrou). Falou sobre como funcionam as pós-graduações, usando muitos palavrões; sobre o sistema universitário brasileiro (mais xingamentos), sobre os professores (maaais xingamentos). Disse que ele recomendava aos alunos que se mandassem para outros lugares, como o Canadá, onde "os estudantes que se destacam são recebidos de pernas abertas". E contou o caso de uma moça de Brasília que ficou dois anos preparando seu projeto de doutorado, não foi aceita e tentou se suicidar.
-Agora você chorou, mas já aprendeu.
-Não chorei, mas aprendi.
Depois o assunto foi a Grécia, o euro, a crise que pode acabar com a UE, e ele falou, assim me pareceu, com mais conhecimento do que os economistas que escrevem nas páginas cor salmão do El País.
Enquanto isso, outro colega que tomava cerveja conosco, de São Paulo, foi investigar os travestis. Voltou com a informação de que uma, a que rebolava mais perto de nós, era curitibana, veio a Porto Alegre para se operar e ficou ("cobra 50, deve ser uma rapidinha"). Então apareceu (entre muitos outros carros: a demanda é grande) um carrão (não vou descrever o carro: é que em Barcelona, ir à procura de prostitutas na rua, ou, pior, travestis, não é coisa que se faça abertamente; lá o cara teria usado boina, óculos de sol e bigode postiço; por isso achei o diálogo surpreendente, fiquei pasmo; "aqui é o Brasil!", explicou o brasiliense cabeça). O carro para à nossa frente, o homem assoma a cabeça (um homem bem vestido e penteado; pai de família?):
-É aqui a rua dos travecos?
-É, tudo reto. Tá vendo?
E ele:
-Cê indica alguma?
(Como Cê indica alguma? Pensei: ele está zoando de nós???)
-Cê acha que a gente experimentou todas?!? Hahaha!
Eeenfim. Ele dirigiu mais uns metros e parou ao lado da curitibana, não estava zoando, queria mesmo uma recomendação. Uns 45 minutos mais tarde, passou de novo, fazendo OK. Nós já estávamos rindo de outro assunto - o assunto não era para rir, mas o clima era de festa. É que um taxista parou, estava exausto, pediu uma cerveja no albergue: uma argentina, contou, acabava de ter um ataque epiléptico no táxi, "um horror".
-E ela não pagou.
-Pagou sim!
Uma hora depois, volta a passar o carrão (ó cara insaciável).
-O que ele quer é comer vocês - disse o brasiliense.
Subi ao quarto, li por meia hora, desci para fumar o último cigarro, encontrei ele cantando, sentado no meio-fio, com o paulistano de pé, como fazendo de guarda-costas.

Nota: Não contei sobre o tipo que também esteve no quarto, sarado, safado, professor de musculação (isto é inexato, não quero problemas). Ele foi no Sofazão (não conheço esses lugares, faço constar) e me disse feliz que pagou 100 e comeu três.

Nota 2: Esse HI não é para putanheiros, OK? Esses colegas de ontem, e outros, são mochileiros, estão fazendo turismo (sim, é possível) em Porto Alegre. A questão seria se sua localização é a mais adequada.


PS: Caetano:
"Três travestis
três colibris de raça
deixam o país
e enchem París de graça"

No comments: