Thursday, March 08, 2012

Freedom, de Jonathan Franzen. Crítica de Uri Scissorhands

Recebi do Uri uma crítica de Freedom, que ele acabou de ler. Vou postá-la a seguir, traduzida (assim vou recuperando meu português) e editada, porque ele se enrola demais. (Sim, irmão: tu terias gostado de um editor melhor para esse romance, de alguém sem medo de usar a tesoura, e ao mesmo tempo não te dás conta de como tu te enrolas; isto, em espanhol, é "ver la paja en el ojo ajeno y no la viga en el propio".) (Eu fiz uma mini resenha do romance em outubro de 2010; não me pareceu que ao livro lhe sobrasse ou faltasse nada, nem páginas, nem personagens, me encantaram todos eles; achei dez. Mas o Uri toca em pontos importantes em que eu, tão encantado, nem reparei.) O texto a seguir, então é dele. Eu faço comentários entre colchetes.

Finalmente, terminei de ler Freedom, levei dois meses para ler esse tijolão. E para não perder a tradição vou escrever uma breve crítica. Primeiro, direi que o livro é bom, senão nem louco teria dedicado tanto tempo a ler tudo isso. De fato, diria que tem momentos brilhantes, alguns até mais brilhantes do que qualquer coisa que eu tenha lido recentemente (sobretudo no início e nas partes autobiográficas da Patty), mas também direi que, para mim, é longo demais e tem trechos que algum editor bondoso poderia ter cortado ou eliminado sem nenhum prejuízo. O livro é um grande retrato não só social, senão vital/individual das mudanças que uma pessoa pode experimentar ao longo da vida. Acredito que é um dos livros que melhor retratam as evoluções pessoais, essas mudanças que as pessoas vivem e que fazem com que passem de querer ser tudo o contrário de seus pais a terminar entendendo eles, além de muitas outras: sonhos quebrados, idealismos jogados no lixo, situações inesperadas que deixam a gente de cabeça para baixo, coisas que a gente faz e nunca teria acreditado ser capaz de fazer, etc. O melhor é que o romance não só ensina isso: faz com que se entenda, às vezes até com que se sinta, o que é realmente muito bom. Provavelmente, isto é assim porque o romance tem mais de autobiografia do que é reconhecido. As partes autobiográficas são de uma mulher, mas acredito que nelas temos muito do amigo Franzen e de sua vida. Nesse sentido, entendo que o livro tenha se destacado como um dos grandes romances dos últimos anos, porque não me lembro de nenhum outro tão profundo e exaustivo na recriação dessas mudanças (da adolescência da Patty até seus cinquenta e tantos anos, mais ou menos). O problema, o único problema que para mim o livro tem, como digo, é que, se bem é ótimo por tudo isso, seria ainda melhor se o leitor tivesse sido poupado de algumas partes, como essas histórias secundárias dos tios e das tias que, sobretudo no final, aparecem sem ter tido nenhum papel importante na vida dos protagonistas e não contribuem com nada de especial (pior: por momentos aproximam o romance de uma telenovela). Os protagonistas são a Patty (sobretudo ela) e o Walter Berglund, e entendo o papel que têm seus respectivos pais, os filhos e os amigos/amantes. Mas, sinceramente, a família longínqua não somente não aporta nada quanto me importa uma merda.

[Eu, já disse, fiquei empolgado com as vidas de todas as personagens, uma a uma, por serem complexas, interessantes e "reais". Talvez esse foi meu erro e a leitura do Uri foi mais inteligente. Escapou-me algo que agora, lendo sua crítica, entendo como essencial. A liberdade do título, isto é claro, é um conceito negativo, ou usado com ironia, e Franzen é ousado ao tratá-la assim, por ser nos Estados Unidos ("the land of the free") o que há de mais venerado (junto com o dinheiro). Mas as personagens não estão perdidas em suas vidas, à deriva, por serem livres demais, terem excessivas opções entre as quais escolher - ou não só (esse foi um preconceito meu, devido a algo que Franzen disse em alguma entrevista). Elas não são livres devido a certas inter-relações não positivas com pessoas emocionalmente próximas, amadas ou odiadas, ou amadas e odiadas ao mesmo tempo. Simplificando muito: Joey é quem é porque seus pais são quem são (ele tenta ser o oposto deles); Walter parece um homem bem-sucedido, mas no fundo inveja Richard, o ex músico de sucesso reconvertido em construtor de decks; Patty não consegue não se sentir atraída por Richard, um dos melhores amigos de Walter; etc. (btw, Uri: tem mais de Franzen em Walter). Grandes afetos e desafetos vão definindo vidas e as fazem descarrilar - sem importar que algumas das personagens que se influenciam de tal maneira não se encontrem num mesmo espaço por muitos capítulos (esse é um dos méritos de Franzen).]

[Numa palestra sobre o romance à que assisti com a Marinella, o palestrante, não lembro o nome, disse que o maior defeito do romance era a voz de Patty (exatamente aquilo que meu irmão, com bom critério, mais gostou, e que Franzen demorou, segundo disse, mais de sete anos em encontrar). Patty rejeitou o mundo acadêmico e de envolvimento político dos pais, liberais cultos da costa leste, dedicou-se ao basquete desde o colégio e quis casar e ser mãe tão cedo quanto possível; e, portanto, disse o teórico e palestrante (haja paciência para os grandes escritores), "não poderia falar e escrever tão bem, sua voz soa falsa". Lembro que eu, chocado, falei na hora (às vezes preciso superar minha timidez e falar) que Patty odiava seus pais, rebelava-se contra tudo o que eles significavam e o que para eles era importante, mas, por esse movimento de rebeldia ser consciente, seguia falando como a liberal democrata e culta que era e que não poderia nunca deixar de ser.]

Tu vai me dizer, "muito bem, bro", muito bonito, mas aonde tu queres chegar com essa conversa toda? Como tu sabes, não sou homem de palavras gratuitas e faço tudo com uma intenção. E essa não é outra que a de insistir, mais uma vez, em que desenhes um esquema, mesmo que seja mental, do teu romance, para evitar que esse tipo de coisas aconteça. Mesmo que o amigo Franzen escreva bem, houve momentos em que estive tentado de abandonar Freedom por achar que ele estava se enrolando e me enrolando, e se não o fiz foi em parte porque ele recuperava os temas principais antes que eu cansasse e em parte porque, devido às boas críticas, eu lhe dava mais crédito do habitual. Mas isso não sempre será assim. É um pouco o que acontece com alguns diretores de cinema, que, porque sabem filmar, fazem filmes longos demais que acabam virando uma bosta. Por sorte, no cinema existe a figura do montador (nunca suficientemente valorizada), que pega e dá cabo de tudo o que sobra (quando lhe é permitido) e o manda direto para os extras do DVD. O que sobra, tu já sabes, é aquilo que, se eliminado, não muda NADA da obra. Infelizmente, não tenho certeza de se essa figura existe na literatura: é o editor?, deveria ser? [Existia e era o editor, nos tempos dourados da edição literária: o mesmo editor que, hoje, ou já faz muitos anos, nem sequer lê o que publica.] Por isso insisto sempre no mesmo, na importância de ter claro aonde se vai e o que se explica, e de não ficar perdido por ali. Como ontem acabei de ler este romance pensando que se eu tivesse sido o editor teria lhe amputado 150 páginas, e assim não só o teria deixado melhor e feito com que menos pessoas o largassem pela metade, como teria salvado a vida de algumas árvores e, com eles, de alguns desses pássaros cantores tão caros a Walter, pois aproveitei para tocar no assunto. [Obrigado irmão. Por enquanto, tu sabes, feliz ou infelizmente não tenho muito que cortar nesse romance meu. Adoraria ter um baita manuscrito de 600 páginas e umas tesouras, mas não escrevo assim.] [Vai ler O rei pálido. Wallace se enrola pelo prazer do leitor.]

3 comments:

uri said...

una lectura més intel·ligent que la teva?!?!?!?! no sé, no crec, però sí que a vegades et deixes dur pels prejudicis o el que has llegit a ses entrevistes (em refereixo, per exemple, a l'amic almodóvar!!!!) jajaja!!!!
això sí, si saps que l'editor avui en dia no fa el que hauria de fer ves pensant en algú a qui passar el teu manuscrit de 600 pàgines quan el tinguis perquè te'l repassi i retalli si cal!!!!!

Roger said...

Vale, doncs més intel.ligènt no, diferent. ;) Jo vaig flipar amb els personatges i amb l'estil i em vaig polir el llibre en cinc dies, i tu segurament vas parar i et vas preguntar "però què cony m'està dient aquest tio?"; i gràcies a això et vas adonar d'el què en anglès es diu the big picture. A la famosa entrevista a la revista Time el Franzen comentava que una llibertat excessiva podia arribar a ser dolenta per viure, o per decidir com viure (amb el qual, per cert, molts ex sunionites no podríem més que estar d'acord), i jo em vaig quedar amb això, sense adonar-me que el que de fet trastoca les vides i fa menys lliures els personatges de la novel.la són les seves relacions, familiars sobretot.

M'adelanto a qui pugui dir que el Franzen no diu res de nou, res que no hagin dit ja uns quants filòsofs i uns quants psicòlegs: ja, OK, però ell ho mostra, que és el que fan els escriptors.

Sobre editar la meva novel.la, la Zadie Smith diu que això avui en dia ho ha de fer el mateix autor, després de deixar-la reposant dos o tres anys. O sigui que Uri, Montse, sumeu anys als anys que pugui trigar a acabar-la. :p

uri said...

mira bro', la zadie smith que digui el que vulgui, però com pretenguis esperar dos o tres anys un cop acabada la novel·la per passar-te'n un més revisant-la et juro que la teva novel·la serà segrestada i editada de manera clandestina!!!!!!

Pel que fa a lo de súnion, doncs és ben cert. de fet ahir vaig anar amb la rous a la presentació de l'últim llibre de poesia del vélez i escoltant-lo a ell i al caixàs i altres doncs és ben clar el que ens passa als ex-sunionites... és per això que diem que súnion ha fet molt de mal perquè ens van ensenyar moltes coses molt bé, però quan aquestes coses xoquen amb el món real entrem en un colapse absolut!!!!!

I repescant el tema inicial i el concepte de veure the big picture, espero que entenguis que, malgrat busqui escriure la millor novel·la possible, un escriptor no pot passar deu o onze anys de la seva vida per fer una novel·la!!!!! Imagina't que el teu amic almodóvar hagués fet el mateix!!!! encara estaria acabant Que he hecho yo para merecer esto!!!!!