Saturday, February 17, 2007

Salvador capital da folia



Desenrole as palavras como se fossem veste sobre a pele e escreva suas frases como se alisasse um rosto (assim como nesta hora fazem os negros melhor do que os brancos). Saiba traduzir o silêncio na face angustiada de quem está dentro ou fora das cordas. Escute o sussurro das mãos ébrias de luz, cor e afagos; não apenas a voz, mas também o sotaque rascante do asfalto. Fale a língua do chão. Percorra praças, avenidas, ruas, mas também vielas, camarotes. Apare o suor do folião pipoca e o dos que saracoteiam, à força de uísque, vinho e espumantes. Tenha olhos para ver o que sonha o som, o gemido das guitarras, mas também os seus gritos, a luta ancestral dos tambores. Liberte-se da mornança displicente. Descomplique-se. Na ponta dos dedos, nas teclas, no "mouse", onde olhos são acentos, digite almas, gestos, alegrias, dores. Seque a veia das drogas, extraia seiva dos murmúrios. Desenrole com os sentidos o turbante dos Filhos de Ghandy, o brilho das contas de seus colares, desvende a trama da trança rastafari. Leve para o texto esta verdade: gestos pensados, maciez e doçuras proclamam Salvador capital da folia e da paz nos corações aflitos.

(Este texto foi escrito pelo editor-chefe do jornal A Tarde, Florisvaldo Mattos, para servir de guia dos repórteres na cobertura do Carnaval.)

No comments: