Tuesday, September 16, 2008

(The World Is an) Infinite Jest

Não sei por que, mas me afetou especialmente saber da morte de David Foster Wallace, que se enforcou na sexta-feira passada em sua casa de California. Nunca li ele (se li algum conto na New Yorker, não me lembro). Talvez porque eu sabia que era um grande escritor, que eu ia ler ele algum dia? A Kris me falou nele há pouco (me falou, não me escreveu, pois a gente se viu! :) Me disse que não tinha conseguido terminar de ler Infinite Jest (La Broma Infinita é o título em espanhol) - esse romance cheio de notas de rodapé, de 1.070 páginas. Mas não é por isso. Nem por ele ter só 46 anos (e ser, portanto, apesar de tudo o que já tinha escrito, uma promessa da literatura norte-americana). Acho que a morte trágica dele me afetou sem me surpreender, me impactou, mais que outra coisa, como um - como se diz em inglês - sign of the times. Eu sabia pouco dele. Sabia que seus livros eram bons e difíceis. Intuía que ele era um escritor lúdico, brincalhão. Mas não sabia que seus livros podiam ser, também, lancinantes; nem que ele, a pessoa, era o que a gente chama uma "alma atormentada". E muito menos ainda que ele escrevia graças à força que lhe davam os medicamentos contra a depressão, doença que ele sofria há 20 anos, desde que publicou seu primeiro livro, com quase 30 anos. Só agora fui procurar as críticas, com vontade de saber realmente o que ele escreveu. Gostei de ler este comentário de Michiko Kakutani, do New York Times: "David Foster Wallace é capaz de fazer qualquer coisa que se proponha. Ele pode ser triste, divertido, louco, pungente e absurdo com a mesma facilidade; e ainda tudo isso ao mesmo tempo". Também segundo o NYT, Infinite Jest tem como fundo uma sociedade norte-americana obsessionada em si mesma, obsessionada pelo prazer, e obsessionada pelo entretenimento. Perguntado pela revista Salon sobre o que era para ele ser um norte-americano no fim do século XX, o escritor disse que era alguma coisa triste, mas não em relação com as notícias ou os eventos do momento: "É uma tristeza mais ao nível do estômago. Vejo isso em mim e em meus amigos de diferentes maneiras. Se manifesta como uma espécie de estar ou se sentir perdido". Não relacionei a notícia da morte de DFW com a morte de Kurt Cobain - apesar de existir um parecido físico entre eles - porque eu não "vivi" a morte de Kurt Cobain; mas a relacionei com a tristeza e o desespero quieto, conformado, dos últimos filmes de Gus Van Sant. E, relendo essa frase sobre a tristeza no estômago, penso imediatamente nas personagens de Angels in America, de Tony Kushner, obra, essa sim, que me marcou e que eu conheço bem. (DFW escreveu também dois livros de contos, Brief Interviews With Hideous Men e Oblivion, e dois de ensaios, A Supposedly Fun Thing I’ll Never Do Again e Consider the Lobster; em português existe, editado pela Companhia das Letras, Breves entrevistas com homens hediondos.)

PS: No sábado, na Folha, em um longo artigo titulado "Obama, o preço de ser negro", traduzido da New York Review of Books, Andrew Hacker expressava seu sentimento persistente de que o fato de Obama ser negro pode virar a eleição contra ele em 4 de novembro (não só pelo fato de os brancos não estar dispostos a votar nele, mas também pelos impedimentos legais que os negros tem, em alguns Estados, para votar). Que Obama possa perder essa eleição por ser negro me deixa imensamente triste. No domingo, um outro artigo, "O impacto da possível derrota de Obama", de Jonhatan Freedland, traduzido do The Guardian pelo Estado de S. Paulo, parecia responder ao primeiro: "Se for determinado que o fator decisivo foi o racial - que Obama foi rejeitado por causa da cor da sua pele -, o veredicto do mundo será severo". E, também - relacionado com aquela "dor de ser" norte-americano hoje: "Os democratas anti-Bush ficarão novamente de luto, sentindo-se alienados no próprio país. Uma geração de jovens americanos - que apóiam Obama em massa - se tornará cínica, concluindo que a política não funciona afinal. E, o mais deprimente, muitos afroamericanos decidirão que se nem Barack Obama - com todas as suas qualidades evidentes - foi capaz de vencer, então nenhum negro jamais conseguirá se eleger presidente".

PS2: Na foto, a fonte Bethesda, em Central Park, Nova York, onde se passa a última cena da peça Angels in America (em que existe ainda um raio de esperança). (Também, meu lugar preferido do parque.)

2 comments:

Ana Kessler said...

Cara, você é genial. Adoro o jeito que você relaciona um assunto a outro, e transforma a mente do leitor em uma manobra avançada de io-io. Parabéns, bjbj

Roger said...

Obrigado, Ana. Eu não lhe falei, mas seu comentário fez meu dia. :))

bjbj