Sunday, March 29, 2009

Sobre crítica literária (a causa do novo romance de Chico Buarque)

Chico Buarque, ao contrário de Zé Ramalho (ver post antigo), está na mídia, e a Folha de S. Paulo ontem dedicou três páginas inteiras (com mais letra do que foto, o que é raro) a seu novo romance, Leite Derramado. A crítica de Roberto Schwarz ocupa cinco (!) colunas de texto, e eu a guardei como exemplo do que deve ser uma crítica de uma obra literária. Ela é bem escrita, bem argumentada, detalhada, ordenada, rigorosa, abrangente, esclarecedora, com citações ilustrativas (só as necessárias), etc. Como digo: um exemplo de crítica. E ele considera o livro "ótimo" (isso é coisa do jornal, que no fim coloca a avaliação em uma palavra: ruim, regular, bom, ótimo). Ao lado dessa crítica positiva, está a crítica negativa de Eduardo Giannetti (se bem que no final a avaliação em uma palavra é "bom"). Essa crítica é mal escrita, cheia de clichês, esquemática e preconceituosa. (Não conheço Eduardo Giannetti, mas ao lado de Roberto Schwarz escreve como um aluno universitário.) Enfim, o caso é que eu já pensava em comprar o livro, que é uma saga familiar, quando fui ver, na primeira página do caderno (onde há a simples notícia da publicação), qual era o número de páginas. Pensava que não iam ser menos de 400, pois a história começa com o trisavô do protagonista chegando ao Brasil na comitiva de dom João 6º, passa pela República, etc. e termina com o tataraneto do protagonista, traficante de drogas. E sendo que a obra, segundo Schwarz, é "ambiciosa", com "seqüências e análises memoráveis", com "desdobramentos" e "digressões", com "momentos de crítica social indireta"; e que compõe "um panorama social amplo, de muita vivacidade"; e que é escrita com uma "carpintaria realista e controlada até o último pormenor"; sendo, enfim, tudo isso, achei que o livro podia chegar às 500 páginas. Tem 200. Pensei: Não. É impossível. Não pode ser. Não vou comprar. Tudo isso? Em um livro só 20 vezes mais longo do que esta crítica?

Hoje, no Estado de S. Paulo, Daniel Piza se ocupa brevemente do mesmo livro. Escreve que o personagem principal, o narrador, é desperdiçado "com o modo ao mesmo tempo apressado e monótono da linguagem", que os outros personagens "não ganham vida", que "a galeria humana promete mais do que cumpre". Pior: "Nenhum tema é explorado, implícita ou explicitamente". Ah! Para isso sim!: para isso há espaço em 200 páginas! Mas o que há com Roberto Schwarz, que escreveu essa crítica exemplar? O que significa que o leitor de jornal possa deduzir mais de saber o número de páginas de um livro do que de ler duas críticas? Quantas críticas é preciso ler para não pagar por um livro ruim ou deixar de pagar por um livro bom? O que é uma crítica bem feita, se, no fim, nem essa de Schwarz é? A crítica bem feita está errada e a crítica mal feita está certa? Como assim? Isso não foi nunca assim! (O jornal Zero Hora faz bem ao dedicar um espaço tão limitado às críticas?, se é que essas resenhas mínimas podem ser chamadas disso?)


PS: Quem sabe o texto de Schwarz, que apesar de tudo eu vou guardar, me sirva mais "em si" do que como crítica do livro de Chico Buarque. Porque vai até além do livro, e inclui observações como a seguinte, úteis para um estrangeiro como eu: "Ainda aqui estamos em águas machadianas, onde também a fibra amatória é a exceção que escapa a certo rebaixamento genérico e derrisório imposto pela condição de ex-colônia às elites brasileiras. Como marca local, a desproporção entre a intensidade da vida amorosa e a irrelevância da vida do espíritu é uma caracterização profunda, com alcance histórico, a que o romance de Chico Buarque acrescenta uma figura".

2 comments:

Marinella said...

Fiquei muito curiosa em ler as críticas, mais tarde vou procurá-las.

Mas compra o livro, sim, para termos a TUA crítica! :)

bjos

Roger said...

A do Schwarz é muito boa, vale a pena! Mas acho que não vou comprar o livro, não. Porque há muitos livros bons que eu não li ainda, e, apesar de que eu gosto da idéia que passa essa música, não "temos todo o tempo do mundo"...

Beijos!