Wednesday, September 02, 2009

Bem que eu queria ir (notas de uma vida fóbica), de Allen Shawn

Há dias que queria comentar este livro, sobre o que já escrevi alguma coisa. O comprei no Botequim das Letras, a segunda vez que eu fui lá. A primeira vez, quando achei o livro por acaso, a atendente não sabia o preço, o livro acabava de chegar; ligou para a dona, a ligação caiu; então, sem preço, não pude comprá-lo. A segunda vez, a dona estava ali. Tirou o livro do bolso, disse que esteve lendo o prefácio e que lhe parecia muito bom. Essa dona é uma mulher jovem, uma guria, e então já gostei dela (uma dona de livraria que lê os livros!), mas gostei mais ainda quando, dias depois, a vi sendo entrevistada em uma TV local. Disse que na sua livraria (que é muito pequenina) só tinha livros escolhidos: de ficção, ensaios, algo de psicologia, algo de crítica literária; e que não tinha auto-ajuda, por exemplo, nem best-sellers (só alguns: Leite derramado, ela tinha; as mulheres, aqui como no Leblon, entram loucas nas livrarias pedindo o leite derramado do Chico (hihi, essa piada não é minha, é do Simão)).

Gostei do livro, cujo autor é músico e um grande fóbico (tem fobia de quase tudo). Mas esperava que fosse mais autobiográfico e menos informativo (tinha essa expectativa e o comprei porque tem a ver com a pesquisa para minha dissertação, como as Confissões de Rousseau): é metade-metade. Talvez meio repetitivo, e não especialmente bem escrito (ou será a tradução?; li muitos "eu", "eu", "eu", os "I", "I", "I" que em inglês são necessários, mas em português ou espanhol não), porém muito interessante. Bom para quem queira saber como as fobias têm as raízes na infância - para isso, além de sua própria experiência, o autor usa Freud - e como algumas tem origens remotas, nos primeiros homo sapiens (porque eram "medos úteis": medo da escuridão, dos espaços abertos ou fechados, etc.) - para isso ele usa Darwin. A psicanálise e as técnicas da psicologia cognitivo-comportamental não o curaram, mas o aliviaram, fizeram sua vida possível, ele diz (ele conta de maneira engraçada como foi levado com um grupo de pessoas com claustrofobia e medo de voar ao hangar de um aeroporto e metido em um avião em manutenção). Fala pouco em neuropsiquiatria, achei isso em falta (ele escreve: "Pelo menos até os dias de hoje não existe ressonância magnética no mundo que possa olhar para o cérebro e analisar as conexões neuronais para determinar quais [fobias] existiam no útero, quais se formaram aos três anos de idade e quais se criaram no mês passado"). Finalmente, achei estranho que só falasse em egocentrismo no posfácio, quando pede desculpas ao leitor: acaso o egocentrismo não está presente nas fobias e neuroses em geral?

Alguns trechos (escolhidos:):

Em geral, o agorafóbico sofre de uma culpa terrível por todas as ocasiões e oportunidades perdidas ou estragadas por suas reações e pelas ausências ou partidas inexplicadas que feriram suas relações.

No que se refere à confrontação dos riscos normais da vida, há decerto muita verdade no velho conselho de voltarmos imediatamente a montar o cavalo que nos derrubou. Uma experiência que rapidamente contradiz um trauma pode ajudar o cérebro a se curar com ainda mais velocidade.

[Segundo Freud] as carícias que recebemos quando bebês e continuamos a buscar em formas mais maduras quando crescemos podem nos ajudar a sobreviver. (Mais recentemente, o psicanalista francês Didier Anzieu escreveu sobre o "eu-pele" (le moi-peau) e a importância de sermos acariciados, dizendo que o afeto físico é um reforço essencial do "eu".)

Quando hábitos de evitação e ansiedade persistem por muito tempo, eles se tornam parte de você, como a dor crônica. O cérebro se acostuma às conexões, e elas se consolidam. O impressionante, no entanto, é que mesmo o cérebro adulto pode construir conexões completamente novas. As antigas podem se desfazer - se a pessoa estiver pronta a desfazê-las - e por fim, com muito trabalho, podem ser substituídas.


1 comment:

Anonymous said...

Citando:

Nós precisamos começar a amar para não adoecer. (Sigmung Freud).

Do Anonimo visitante.