Thursday, May 13, 2010

Waldeny Elias :'(

"Sou um homem medroso dentro de um contexto vazio. A sociedade vive dentro de um turbilhão de felicidade enganosa. Tento não me enganar."

"Acredito na pintura que é feita com entrega total. A pintura me renova todos os dias."


Waldeny Elias, em entrevista ao jornal Zero Hora (30/06/2008), com motivo de uma retrospectiva de sua obra no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo.


Na semana passada morreu em Porto Alegre, aos 79 anos, o pintor Waldeny Elias. Conheci o Elias quando foi professor de pintura da Gabriela. Foi o primeiro que ela teve (ou a menos o primeiro profissional), nos últimos meses de 2008, quando ela estava se puxando para terminar Direito e se mandar para a França estudar Artes Plásticas. Eu assisti a duas aulas, fui porque a Gabriela me disse que eu gostaria de conhecer o Elias e de conversar com ele. O que eu queria era ver a Gabriela pintando, mas de fato gostei muito do homem. Era muito alto e ossudo, de olhos grandes e salientes, cabelo branco (um tipo físico parecido ao de J. D. Salinger velho), e mancava de uma perna. Eu nunca tinha estado num ateliê. O ateliê era a casa dele, um térreo no bairro da Floresta. O Elias trabalhava na sala principal, cheia de quadros pendurados nas paredes e apoiados uns nos outros no chão: nus de estilo expressionista, interiores quase vazios, paisagens do pampa. Mostrou-nos uma sala menor, o ateliê de um colega pintor, também abarrotada de quadros. E a outra peça que eu vi foi a cozinha, pequena e muito bagunçada. Quando chegávamos, a Gabriela sentava em frente do cavalete, ele dava-lhe algumas instruções genéricas, falando num tom pausado, ligava o som baixinho (música erudita) e logo ia preparar café. A Gabriela pintava e nós dois ficávamos em duas poltronas velhas, num canto da sala, de onde dava para ver ela, mas não a tela. O Elias fumava, eu era ex fumante; se não, teria fumado com ele com prazer. Gostava de falar de seus pintores preferidos, e comigo falou dos espanhóis (os antigos, se eu lembro bem: Velázquez, Zurbarán, Goya). Contou-me anedotas vividas com Mário Quintana (algumas estão no livro Ora bolas, de M. Q.). Por causa da perna, ele quase não saía, mas, quando jovem, havia participado, sido um membro ativo de vários círculos artísticos da cidade. Contou-me histórias desses círculos, dos anos 50 e 60. Lembro a de um moço que apareceu do nada e de mãos vazias em Porto Alegre, estrangeiro, bonito; não conseguia emprego, mas alguém no grupo de artistas percebeu que era um virtuoso do piano; convidaram-no a tocar no Teatro São Pedro e causou sensação (o maior talento que já passou por aqui, disse o Elias); depois o moço se envolveu com várias mulheres (casadas, supõe-se) e ao cabo de um ou dois anos, assim como apareceu, sumiu. Durante essas conversas, parecia que o Elias deixasse a Gabriela meio desatendida (foi por isso que eu não fui mais de duas vezes). Mas logo pedia licença, levantava-se e andava até ela se apoiando na bengala, dizendo: vaaamos ver como estão essas montanhas. Ficava em silêncio observando a tela (a Gabriela olhando para a tela também, com o pincel no ar); dava a sua aprovação e algumas indicações, e pegava um outro pincel para retocar o sombreado da cadeia de montanhas azuis. Era uma natureza morta com paisagem ao fundo, e lembro que brincou sobre as frutas (o modelo colocado numa tábua de madeira, ao lado do cavalete), dizendo à Gabriela que deveria se apressar, porque já estavam mudando de cor. A nossa conversa continuava, até ele se levantar de novo para fazer uma avaliação final. Eu então ficava de pé, bem atrás deles, querendo ver o quadro mas sem querer incomodar. Foi a própria Gabriela quem me deu a notícia da sua morte. Ela, que esperava reencontrá-lo, ver como ele estava, contar-lhe sobre seus progressos na França, ficou muito triste, lá longe.



Sem título
Waldeny Elias
Óleo, 1981


Sem título
Waldeny Elias
Óleo, 1974

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