Sunday, November 07, 2010

Idiotices da Academia 1 (nova série no blog!)

Trecho inicial de um artigo publicado hoje na Folha de S. Paulo: "Cinco anos após as revoltas que acuaram a França e chocaram o mundo, as periferias pobres e segregadas de Paris, Marselha, Lyon e outras cidades do país estão mais do que nunca à deriva. Cerca de um terço da população dessas áreas está abaixo da linha da pobreza, o índice de desemprego chega a 42% - 60% em algumas regiões - e as instituições públicas e seus representantes se tornaram cada vez mais alvos de ataques".

Pergunta que o próprio jornalista se faz, mais adiante no artigo, à procura de explicações menos óbvias do que as que sugeririam os números do texto anterior: "Mas, se insatisfação política e econômica ocorre por toda parte, por que é sempre na França que a tensão social parece explodir?".

Respostas dadas ao jornalista por Michel Maffesoli, um dos criadores da "sociologia do cotidiano", catedrático da Universidade Paris V e... o nosso Acadêmico Idiota de hoje!

-Não acredita em razões econômicas para os distúrbios?
-Não, podem ser no máximo uma das razões. O verdadeiro problema é que é preciso haver, em todas as sociedades equilibradas, momentos de desregramento. É o que Aristóteles chamava de "catarse" ou purgação. Quando olhamos as sociedades medievais, havia momentos como o Carnaval, as festas de inversão - o que Émile Durkheim chamava de desregramentos autorizados. O problema é que isso não existe mais na França.
-Essa é a razão por que esses distúrbios parecem ocorrer somente na França?
-Sim, pois existe aqui, desde Descartes, uma tradição racionalista da sociedade, que busca conter as emoções, as paixões, etc. É uma razão cultural!
-E ela também explica os distúrbios nas periferias?
-Sim, e isso não depende da classe política. Tanto esquerda quanto direita buscam uma espécie de assepsia da vida social. Logo, não há lugares ritualizados de expressão da efervescência - como o Carnaval, por exemplo. Daí a violência gratuita, inexplicável.

E digo eu: mais circo, então! Um pouco de circenses para os franceses incendiários!


PS: Resposta a uma pergunta similar dada ao jornalista pelo rapper marselhês Mino Brown, que não deve ter lido Durkheim:
-Qual é hoje a situação nos subúrbios que você conhece em Paris, Marselha...?
-Há cada vez mais diferença entre os muitos ricos e os muitos pobres. O sentimento de ser posto de lado é um grande problema para o país.

7 comments:

Sergio Lulkin said...

Ótima, a nova série. Os dois tem sentido, se pensados em diferentes contextos. A resposta mais evidente é a da insatisfação socioeconomica, o sofrimento, a raiva, o ódio dos poderosos, a rejeição, o preconceito, não parece evidente? E, por outro lado, a falta de opções de catarse também é um marcador da insatisfação mais subjetiva, quando quase tudo que a mídia nos diz que é imperdível, é pago, e muito bem pago. Não basta o parque, a festa gratuita. O circo de qualidade também é subvencionado e, se não o for, só resta mesmo a resistência contra todos os poderes. Vamos no teatro gratuito amanhã, quarta, 12h30? Fica na rua General Vitorino, 255

Roger said...

Vamos, sim. Te ligo.

Então... a idiotice não é tão idiotice assim? Não sei, não. Para os "pobres e segregados", acho melhor a visão "lulística": primeiro dá uma grana a eles, um trabalho, porque eles merecem uma vida digna e têm direito ao trabalho (isso deve estar na Constituição), e depois já falaremos em outras coisas. Por enquanto, diante de uma sociedade em que "the rich get rich and the poor stay poor" e o presidente (seu presidente!) chama eles de "ralé", a catarse deles é o rap, a pichação, a queima de carros (e assistir aos jogos de l'OM). Outra idiotice do acadêmico foi dizer que o rap era causa dos distúrbios. Obviamente, o rapper afirmou o contrário.

Gostou da série, então? Bom, pois se alguém da PUCRS ou da UFRGS for leitor deste blog e quiser mandar idiotices acadêmicas, pode me escrever. (Pena que o P. já se formou em Filosofia; sei que ele escutou muitas...) Prometo não revelar seus nomes nem sob tortura - os dos idiotas acadêmicos do dia, sim.

Hmm. Tem um grande idiota acadêmico, formado em Teologia, que mereceria um capítulo especial, mas espero que meu irmão Uri, que viveu o evento mais de perto, me escreva. É que o papa de Roma andou falando algumas idiotices graves, muito ofensivas, até, em sua recente visita a Espanha... Fica para uma próxima.

uri said...

pronto bro', pronto um mail de idioteces...

Marinella said...

Que medo dessa série!

Olha, não sei se é a falta de circo ou de $, mas, segundo uma amiga brasileira que está morando na França, os franceses não gostam de trabalhar e só sabem reclamar.

Não sou eu que estou dizendo! :-)

bj

Sergio Lulkin said...

Nesse caso, conforme dizem, concordo com os Franceses... eu não gosto de trabalhar. Quem gosta de trabalhar? Gosto de fazer coisas que gosto... mas trabalhar?! Só por necessidade mesmo... o homem foi feito prá disfrutar do Paraíso. O trabalho aprisiona, sequestra o tempo criativo, impõe regras produtivas e, na maior parte dos casos, paga mal por tudo isso... Salvem-nos do trabalho!

Roger said...

Oi Marinella! Se minha ex chefe na editora te ouvisse! :o) :) Se bem que trabalha em Barcelona, ela é francesa, e nunca vi alguém trabalhar igual, fazendo quatro coisas ao mesmo tempo e durante doze, às vezes 16 horas por dia (sem exageros: já dormiu na editora). Enfim, isso é só uma anedota. Eu acho que talvez tua amiga confundiu não querer trabalhar com não querer perder certos direitos. Não sei se na França falta uma tradição de "desregramentos autorizados", como diz o acadêmico de hoje :). Sei, isso sim, que eles têm uma tradição (bem saudável, acho) de protesto, de revolta, e que param de trabalhar quando vêem que podem perder tais direitos (esses do Estado do bem-estar, que agora está em questão em quase todos os países da UE). E... mais do que falta de dinheiro ou emprego, o pior nessas periferias é que a maioria dos jovens não enxergam nenhuma perspectiva de futuro, nenhum projeto de vida.

Eu gosto do trabalho criativo, Sergi, como tu. Sem regras. Sem horários. Sem chefes. E bem pago. Será que isso existe? :) Para que foi feito o homem? Boa pergunta... "Gosto de fazer coisas que gosto... mas trabalhar?!": essa eu espero que os meus pais leiam (recém estão saindo da "depressão" pós-aposentadoria... :)

Beijos!

Marinella said...

Eu gosto de ser mandada, liberdade demais me enlouquece, gosto de horários e rotina - desde que essa rotina inclua algumas horas de ócio.

Minha amiga se refere a essa "tradição de protestos" que, a seu ver, é exagerada.

E não digo mais nada por hoje, vou estudar antes! :-)

Bj