Tuesday, August 28, 2012

Traduções ao português 16 (Albada, de Jaime Gil de Biedma)

Acorde. A cama está mais fria
e os lençóis sujos no chão.
Pelas frestas da galeria,
               chega o amanhecer,
cor de roupa de abrigo de outono
              e liga de mulher.

Acorde pensando vagamente
que o porteiro de noite chamou por vocês.
E escute no silêncio: sucedendo-se
para o longe, ouvem-se enrouquecer
os bondes que levam ao trabalho.
               É o amanhecer.

Irão amontoando-se as flores
cortadas, nos postos de Las Ramblas,
e assobiarão os pássaros  cabrones 
nos plátanos, enquanto estão a ver
a negra humanidade que vai à cama
               depois do amanhecer.

Lembre-se do quarto em que dormiu.
Enterre a cabeça na almofada,
sentindo ainda a irritação e o frio
               que dá o amanhecer
junto ao corpo que tanto gostávamos
               ao adormecer,

e pense que deveria levantar.
Pense na casa ainda escura
onde entrará para trocar de terno,
e no escritório, com sono para vencer,
e em muitas outras coisas que se anunciam
                desde o amanhecer.

Embora ao lado escute o sussurro
de outra respiração. Embora busque
o pouco calor entre suas coxas
meio dormido, que começa a estremecer.
Embora o amor não deixe de ser doce
                 feito ao amanhecer.

– Junto ao corpo que ontem eu gostava
tanto despido, deixe que acenda
a luz para lhe beijar cara a cara,
                 no amanhecer.
Porque conheço o dia que me espera,
                 e não pelo prazer.

No comments: