Saturday, September 01, 2012

Traduções ao português 17 (Contra Jaime Gil de Biedma, de Jaime Gil de Biedma)

De que serve, quisera eu saber, mudar de apartamento,
deixar atrás um porão mais negro
do que minha reputação —o que é dizer muito—,
pôr cortininhas brancas
e contratar empregada,
renunciar à vida de boêmio,
se logo vens tu, seu chato,
embaraçoso hóspede, burro vestido com meus ternos,
zangão de colmeia, inútil, desprezável,
com tuas mãos lavadas,
comer no meu prato e sujar minha casa?

Acompanham-te os balcões dos bares
últimos da noite, os cafetões, as floristas,
as ruas mortas da madrugada
e os elevadores de luz amarela,
quando chegas, embriagado,
e paras para te olhar no espelho
a cara destruída,
com olhos ainda violentos
que não queres fechar. E se te escarneço,
ris, me lembras do passado
e dizes que envelheço.

Poderia recordar-te que já não tens graça.
Que teu estilo casual e que teu desenfado
resultam truculentos
quando se tem mais de trinta anos,
e que teu encantador
sorriso de garoto sonolento
—certo de gostar— é um resto,
um intento patético.
Enquanto tu me olhas com teus olhos
de verdadeiro órfão, e me choras
e me prometes não voltar a fazê-lo.

Se não fosses tão puta!
E se eu soubesse, já faz tempo,
que tu és forte quando eu sou débil
e és débil quando eu me enfureço...
De teus retornos guardo uma impressão confusa
de pânico, de pena e descontento,
e a desesperança
e a impaciência e o ressentimento
de voltar a sofrer, mais uma vez,
a humilhação imperdoável
da excessiva intimidade.

A duras penas te levarei à cama,
como quem vai ao inferno
para dormir contigo.
Morrendo em cada passo de impotência,
esbarrando em móveis
às cegas, atravessaremos a casa
lerdamente abraçados, cambaleando
de álcool e de soluços reprimidos.
Oh ignóbil servidão de amar seres humanos,
e a mais ignóbil
que é amar a si mesmo!

5 comments:

Sergio Lulkin said...

Uau! Sorrow, sorry, sordid, sort, sortir, soltar, soltero, solterar, saltear, sortear al hazard, saludar, salutar.

Roger said...

:) Era um gênio...

Sergio Lulkin said...

Escarneço, melhor...
Ensujar não existe. Sujar, sim.
Não canso de ler esse poema, meu Zeus. Quem sabe o personagem que desejo não comece em alguma linha destas? Pessoa de Bar, el hombre de Buenos Aires.

Roger said...

Quem sabe não diz o poema, se olhando no espelho, bebum?

Sergio Lulkin said...

Bah, seria ótimo poder realizar o poema, semi bebum, pois não sou bom de bebida mas sou bom de ser esse enpoemado.