Sunday, March 23, 2008

A melancolia

Na aula da disciplina de Narrativa dedicada ao ensaio A filosofia da composição, de E. A. Poe, a dupla de estudantes encarregada da apresentação incluiu, no final, quatro perguntas relativas ao texto. Uma delas questionava a afirmação de Poe de que a melancolia era o sentimento mais intenso que qualquer poesia podia expressar; ou, dito de outro jeito, o tema por excelência da poesia universal. A maioria de alunos acharam que não, mas eu fiquei na dúvida. O Corvo, que é a poesia analisada pelo autor em seu ensaio, é sobre a morte da mulher amada, e logo me vieram à cabeça poemas de outros autores, de outros amantes que não conseguiram realizar seu amor e escreveram cheios de melancolia. Falei nos trovadores, falei em Petrarca e Laura, e disse que, se bem que a melancolia podia não ser o grande tema da poesia, ela aparecia uma e outra vez ao longo da história da poesia ocidental. Alguns alunos pareciam não saber exatamente definir melancolia. Não que não soubessem o que era, pois qualquer pessoa tem se sentido melancólica alguma vez; mas não a diferenciavam da tristeza, por exemplo. Eu, para muitos desses conceitos (a piedade, o sublime, etc.), tenho gravadas na memória as definições dos filósofos que me deram aula durante a graduação ou daqueles cujos livros li nesse período. E melancolia é, para mim, aquele estado de espírito, ou, melhor, de ânimo, que não se adequa ao estado das coisas do mundo ao redor; aquele estado em que alguém se sente em desacordo ou desconforto íntimo com o mundo. Estar melancólico seria o contrario de estar ou se sentir em harmonia com o mundo. E, sendo assim, minha resposta seria que sim, que muitos poemas nascem da melancolia. Ou, inclusive, que o poeta é um ser melancólico (menos dramaticamente, alguém com tendência à melancolia). Não só Poe, os trovadores, Petrarca, o primeiro Dante, o Shakespeare dos sonetos, etc. teriam fundado seus poemas na melancolia: também, grandes personagens da literatura universal criadas por estes e outros autores seriam melancólicos. Madame Bovary é uma personagem melancólica. A melancolia de Hamlet é tão grande que o leva a pensar em alcançar a harmonia com o mundo através da morte, como tantos outros. E os rebeldes, os desconformes - a literatura está repleta deles -, o que são? Dom Quixote? Voltando aos autores: o poeta não é um ser "deslocado", que olha o mundo "de fora", de um "outro lugar"? Claro que tem poetas que exaltam a beleza, a bondade, etc.; ou que inclusive acham sentido na vida :) Mas é em momentos raros nas suas obras. Em geral, quando o poeta, ou a pessoa, está feliz - feliz da vida-, não escreve, dedica-se a viver. Mais do que contar esse momento de plenitude, o mais provável e sensato é que o curta. Que vá curtir um banho de mar, passear com a namorada. ... A não ser que esteja em Salvador. Se estiver em Salvador de Bahia, então, mesmo feliz, nesses momentos de calor insuportável, no meio-dia, depois do almoço,... achará a melhor opção ficar em um lugar tranqüilo, à sombra, e, tomando um suco de abacaxi, acerola ou manga, escrever alegremente sobre a felicidade experimentada durante a noite ou a tarde passadas ou por vir.


Este post poderia ser para o meu pai, que hoje faz 60 anos, e que, em muitos aspetos - não em todos! ;) - tem sido - e é - um modelo para mim. É para ele, que fez 60 anos e me disse que é feliz.

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