Monday, March 31, 2008

Sobre beijos, marinheiros e Jorge Amado

1. Costumo contar em Barcelona como são os beijos na boca que homens e mulheres se dão em Salvador. Beijos apaixonadíssimos, beijos de minutos, beijos que eu nunca vi - nem no cinema. Não é só durante a folia do Carnaval. Também no shopping, no ônibus, em todo lugar. Impressiona. E sabem o que? Encontrei uma explicação - uma explicação que bem pode não ser a boa, mas que é tão bonita que seria legal que o fosse. Está - e continuo monotemático - no livro Mar morto, do baiano Jorge Amado, um de cujos parágrafos diz assim (traduzo para o espanhol, senão não tem graça e o post não é mais meu):


Judith solloza en el cuarto. Es el destino de todas ellas. Los hombres de la vera del puerto sólo tienen un camino en la vida: el camino del mar. Por él se adentran, ese es su destino. El mar es el dueño de todos ellos. Del mar vienen toda la alegría y toda la tristeza porque el mar es el misterio que ni los más viejos marineros entienden, que no entienden ni aquellos antiguos maestros de barcos de pesca que no viajan más, y apenas remiendan velas y cuentan historias. ¿Quién consiguió descifrar el misterio del mar? Del mar viene la música, viene el amor y viene la muerte. ¿Y no es sobre el mar que la luna es más bella? El mar es inestable. Como él es la vida de los hombres de los barcos pesqueros. ¿Quién de ellos tuvo un fin de vida igual al de los hombres de tierra, que acarician a sus nietos y reúnen a las familias en almuerzos y cenas? Ninguno de ellos anda con ese paso firme de los hombres de tierra. Cada uno tiene algo en el fondo del mar: un hijo, un hermano, un brazo, un barco que volcó, una vela que el viento de la tormenta despedazó. Pero, del mismo modo, ¿cuál de ellos no sabe cantar esas canciones de amor en las noches del puerto? ¿Cuál de ellos no sabe amar con violencia y dulzura? Porque cada vez que cantan y aman, bien puede ser la última vez. Cuando se despiden de las mujeres no dan rápidos besos, como los hombres de tierra que van para sus negocios. Dan largos adioses, agitan las manos, como todavía llamando.

(Acabei de fazer a pesquisa: para quem se interessar, existe uma edição em espanhol da Editorial Losada, de Buenos Aires, de 2005, à venda em La Casa del Libro, Barcelona.)


2. Um escritor gaúcho atual falou que nos romances dele não tem mais cenas de sexo. Disse que já foi tudo escrito, que não há como escrever nada novo sobre isso. Jorge Amado escreveu esse romance, um dos seus primeiros, nos anos 30, quando tudo "já tinha sido escrito" também. E ele colocou isto em uma frase só, menos de 10 palavras. É depois da primeira noite de sexo na vida do protagonista, marinheiro macho:

"Ele era homem, dobrava uma mulher aos seus pés."


3. Capitães da Areia foi o primeiro livro em português que eu li: chegou por correio a Barcelona, em 2001, presente de minha amiga carioca Isabel, graças a quem eu vim pela primeira vez ao Brasil, em 2003. Depois eu li Gabriela, cravo e canela, presente de Gabriela, que fez questão de dar-me o livro em capa dura, porque assim eu tinha os Capitães. Foi em 2005. Já em 2007, ganhei Cacau do meu amigo Ronaldo, baiano, que quis que eu soubesse como era a vida dos escravos nas fazendas de cacau. Ronaldo, o maior presenteador de livros que eu conheço (maior que o meu pai!), é quem deu quase todos os livros de Amado à Rose [Ups! A Rose me corrigiu: o que ela ganhou do Ronaldo foram todos os livros do García Márquez - além de muitos outros.] E eu agora pretendo tê-los também, nas novas edições da editora Companhia das Letras, que ganhou em leilão os direitos da obra completa do escritor, até há pouco da Record. Os primeiros quatro volumes que saíram, entre os quais Mar Morto, Dona Flor e seus dois maridos e A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, são lindérrimos (não que os da Record não o fossem, mas a Cia. se puxou). Foram apresentados num show em São Paulo, no maior evento feito até agora por uma editora, a semana passada, com mais de 1.000 pessoas e a presença de Chico Buarque e Caetano Veloso, que cantaram e leram trechos dos livros. O editor da Cia. das Letras, Luiz Schwarcz, chegou a dizer nessa noite, brincando: "Bem-vindos à inauguração da Companhia das Letras!". Amado é muito Amado, e não importa o que digam os acadêmicos, os estetas, os leitores mais elitistas que gostam de se afastar do que cai na graça do povo: talvez não seja o melhor escritor, mas ele é, a meu ver (quem sabe, junto a Érico Verissimo), o melhor romancista do país.

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