Thursday, April 17, 2008

Juliana ri

(Conto/exercício escrito para a Oficina de escritura criativa da Faculdade de Letras da PUCRS.)


Juliana desce e ele vai atrás, câmera na mão. Está praticamente sozinha no trecho final. É a última descida. E está tão feliz! Porque não faz mais “o pêndulo”, como no início. Agora está indo reto, desce reto, deixando a prancha correr antes de virar. Com os braços abertos em cruz, para manter o equilíbrio, vira à direita, varrendo a neve, e vai, vai, se afastando dele. Não olha para trás, só dá rápidas espiadas em frente – hihihi –, a cabeça escondidinha no colarinho do anoraque; há um instante passaram por ela duas crianças que nem raios, de capacete, cabeções; já ouve só seus gritos. Ainda não ergue a cabeça, olha a neve deslizar sob seus pés. Ela nunca tinha estado na neve. Agora está adorando. Deslizar não é um obstáculo, não. Olha para baixo, sorrindo, vê os flocos de neve brilhar, cor de laranja. Neve cálida! Lembra que está sendo filmada e segue em frente, não vai parar; quer se aprimorar, mas logo esquece. Escuta o som suave e rasgado da neve, que a corteja, docemente. E o vento que embrulha o anoraque. Seu anoraque vermelho, tão bonito. Nunca se sentiu tão leve assim. Sorri; desliza e vai abrindo o sorriso. Não pára. Aproxima-se muito dos abetos, sente o coração acelerar. Vira, vira à esquerda, olhando a prancha, vê se obedece! Vê passar um pedaço de azul de anoraque. O anoraque dele. Se sente linda, linda. E sorri tanto porque é a primeira vez. E está se dando bem. Tu-do tão na-tu-ral. Certamente ele está olhando, e ainda gravando – bobo! –: ela não vai olhar. Vira de novo, e escapa, mais uma vez não pára. Não quer, não quer parar. Ela nunca viu a neve, nem se sentiu deslizar. Fraquejam-lhe as pernas, está chegando abaixo, agora é que vai se jogar. Ele passa reto, trava a prancha, perto, perto. Ah, ela não pode mais! Cai de costas na neve, protegida no anoraque. Nunca foi tão linda – sabe, sente – como embaixo desse céu, sobre essa neve. “Pára!”, grita; porque não quer ser filmada, porque somente ela sabe, porque isso que ela sente não vai aparecer. Ouve sua própria gargalhada; seu peito que se abre, que dói. Vira a cabeça para o sol, sente frio na orelha. A bola vermelha vazando nas telhas de ardósia – o refúgio. Lembra o sabor do chocolate, tão quente, tão bom. Tudo tão bom, agora. Olha de novo para cima. As pontas verde-azuis dos abetos. O céu claro e sem nuvens. Alguns fios de cabelo. E essa cara de bobalhão!

3 comments:

srtaParker said...

Bom, acidentalmente bom...

Roger said...

Acidentalmente é bom? :o) :)

srtaParker said...

Depende...do acidente! :)