Tuesday, April 28, 2009

Antes do baile verde, de Lygia Fagundes Telles

Mais um grande escritor, neste caso, escritora, cuja obra completa passa a ser editada pela Companhia das Letras. Agora Lygia Fagundes Telles é "a menina dos olhos" da editora. E o que eu fiz? Pois ir procurar esse livro bonito logo que eu li a notícia no jornal. E o que eu encontrei? Pois uma pilha enorme de Antes do baile verde... da Rocco. Me precipitei, fui uma semana antes da hora. Paguei menos, mas perdi a arte da capa e da edição...

Bom, sobre o livro. Geralmente, Lygia é comparada com Clarice Lispector (não deveria por que ser assim, mas é). Eu achei os contos da Lygia igualmente delicados e elegantes, um pouco mais pé no chão, e por isso mais fáceis de ler (mais leves, também; o que pode parecer uma contradição, mas não é (incrível como as "palavras abstratas" da Clarice têm, às vezes, mais peso do que as palavras mais "terrenas" da Lygia)). Lygia mostra o mundo interior das personagens "de fora"; Clarice envereda pela mente das personagens, algo bem mais difícil - para o escritor (imagino), e para o leitor. Parece que elas se admiravam, algo raro nesse mundo de vaidades dos escritores. Para terminar com Clarice: em uma entrevista recente, Lygia explica que Clarice lhe recomendou não sorrir ("ninguém leva a sério um escritor que sorri") e, também, vestir roupas pretas (pelo mesmo motivo). Porém, Lygia não seguiu essas dicas, e é uma mulher muito sorridente. Para mim isso é de se agradecer, pois odeio esses escritores (acho que, especialmente, europeus) que aparecem nas orelhas dos livros com cara de quem viu os horrores de uma guerra, de quem veio de um enterro ou de quem quer assassinar alguém - o que eu acho muito ridículo.

Os assuntos mais repetidos nos contos - às vezes, misturados - são a infelicidade conjugal, a aceitação da infidelidade, a loucura, a relação mãe-filha, o fim dos relacionamentos... E todos os contos são bons, interessantes, alguns (ao menos, a metade) muito bons, excelentes (meus preferidos: "Os objetos", "Verde lagarto amarelo", "Apenas um saxofone", "O moço do saxofone", "A chave" - para mim, talvez, o melhor de todos -, "A ceia", "Eu era mudo e só", "O menino"). Todos menos um, há um que eu achei ruim. E posso dizer qual é, porque não é só um problema meu. Tomei café com minha amiga Ana Santos, e... coincidência!, estava lendo o mesmo livro! Achei fantástico, falamos nele, e ela me disse qual foi o único conto que não gostou: "A caçada". Agora: qual era o conceito que eu tinha da Lygia Fagundes Telles antes de ler este livro? Não muito bom. Por quê? Porque tinha lido "A caçada". Por quê? Porque esse foi o conto dela que a gente leu em uma disciplina do mestrado.

Vários contos me desapontaram no final. Não pelo desfecho, mas pela forma. Alguns terminam no clímax, o que não é o ideal (é bom uma suave descida depois - como no... sabe, né?). Outros terminam com frases tão simples (no sentido negativo da palavra; e em comparação com o resto do texto), tão insossas, que não dá para acreditar: "Ofereci-lhe cigarro"; "Susteve a respiração"; "Guardo-o na bolsa"; "Crianças ao longe brincavam de roda"; ''Fecho a cortina". Esses contos parecem vestidos sem cauda. Mais um detalhe (esse, já, coisa chata de oficina de escrita criativa). Em alguma ocasião, um grande "achado", uma imagem original, é estragada por culpa de um erro de medida que deixa ver o artifício. O exemplo mais claro (no conto - macabro - "Venha ver o pôr-do-sol"): "No centro do cubículo, um altar meio desmantelado, coberto por uma toalha que adquirira a cor do tempo. Dois vasos de desbotada opalina ladeavam um tosco crucifixo de madeira. Entre os braços da cruz, uma aranha tecera dois triângulos de teias já rompidas, pendendo como farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombros do Cristo. Na parede lateral (...)".

No início de cada conto, nas primeiras frases, se sabe quem fala, de onde, em que situação, o que é muuuuito bom para o leitor - e não diminui o valor de nada (escritores atuais poderiam tomar exemplo); um alguém, onde, etc. sempre interessantes. E a leitura de cada um deles - isto é o mais importante - é um prazer.

2 comments:

ana said...

Oi, Roger! Não sei o que "A caçada" faz ali, destoa tanto dos outros contos... Gostei muito também de "Os objetos", "Apenas um saxofone", "O menino" (gosto como o menino diz "pô" o tempo todo:), "Antes do baile verde", "Olho de vidro" (esse achei bem engraçado) etc. Acho "Venha ver o pôr-do-sol" um pouco forçado, e "Os mortos" também. Essa coisa de relacionamentos amorosos às vezes cansa um pouco, e concordo com isso das frases finais... Mas é um baita livro, ela escreve com sensibilidade e domínio da técnica invejáveis! Beijos, Ana.

Roger said...

Haha! Sabe, vou até reler "A caçada", para entender o que tem. Acho que ela intentou um conto de gênero (fantástico?), assim como intentou (também concordo que sem muito sucesso) um conto de terror em "Venha ver o pôr-do-sol". Mas isso é legal, ela tenta sempre coisas novas. Eu gosto dos contos sobre relacionamentos amorosos (gosto do Carver, por exemplo), acho as possibilidades infinitas (e a gente aprende!).

Beijos!