Tuesday, March 29, 2011

Os "cafés con piernas" de Santiago de Chile

Os cafés com pernas do centro histórico de Santiago foram uma das muitíssimas coisas que me impressionaram na viagem que a Gabriela e eu fizemos pela América do Sul, em 2005. (Sobre essa viagem quase não escrevi nada; só, de um cibercafé em Cusco, um e-mail contando da cidade e da ida ao Machu Picchu, eu nem tinha blog.) Mas me dei conta do porquê me impressionaram tarde demais, provavelmente quando já estávamos em Valparaíso, e talvez por isso não tirei fotos dos cafés (ou então foi por vergonha, ou "respeito"). O fato é que os lembrava muito bem, e a prova é que quando a Marinella me disse que ia para lá, do primeiro que eu lhe falei foi desses cafés, e lhe pedi que tirasse alguma foto para mim. Encomendei-lhe, por assim dizer, esse pequeno "trabalho sujo"; e ela, que, além de querida, é mais despachada do que eu (não é difícil), o fez, não sem algum constrangimento (por isso alguma foto está tremida: obrigadão, Marinella, e desculpa).


Não é para ficar incomodado com a existência desses cafés, pensei então (em 2005). Nem para enxergar neles a relíquia de um passado machista - mais do que o presente. Descrevo para quem não conheça: nos "cafés con piernas" só trabalham mulheres, e essas mulheres são todas jovens, lindas, altas e, sobretudo, de pernas compridas e torneadas. (Escritas em algum lugar ou não, imagino que essas devam ser as "exigências"; não são as únicas.) A graça é que nesses cafés o balcão não chega ao chão, consiste unicamente da barra de aço e, assim, deixa as pernas das garçonetes, que usam vestido curto ou minissaia, à vista dos homens que as querem olhar (há clientes mulheres, mas poucas). Esse é motivo suficiente para algumas das pessoas que frequentam os locais: sentar numa mesa e, entre goles de café (não sei se é permitido fumar), sem medo de se sentirem recriminados, deleitar-se com a visão das pernas expostas, belas como as de uma modelo ou atriz. E talvez fantasiar.

Mas essa é só a graça aparente. Os cafés têm outra função, e outro tipo de clientes que me interessaram mais: aqueles que ficam de pé no balcão, conversando com as moças. Não sei se eu mesmo percebi, ou a Gabriela comentou, ou li no guia Lonely Planet (lonely), mas essa "outra função" me pareceu a principal, e de grande valor - encomiável. As mulheres (eu devo ter lido mesmo no guia) não estão lá somente para mostrar as pernas enquanto servem cafés: elas são contratadas, também - e é de se esperar que bem pagas -, para escutar.


O centro histórico de Santiago (como o do Rio, por exemplo) também é o centro de negócios, onde estão os maiores escritórios (bem pertinho do Café Caribe que a Marinella fotografou está a bolsa de valores), e essas ruas, como tantas de tantas grandes cidades, fervem de pessoas apressadas, estressadas, dedicadas quase por inteiro ao trabalho. Somado a isso o fato de que, nas cidades, as pessoas são cada vez mais solitárias (50% dos habitantes de Manhattan moram sozinhos; em São Paulo o número não deve ser muito menor), e que o ritmo de vida urbano deixa muitas pessoas insatisfeitas e frustradas, o que melhor do que poder desabafar com alguém, e que esse alguém seja uma mulher linda! (Claro, deveria haver cafés para mulheres também.) Poder falar dos problemas laborais, pessoais, maritais, ou do próprio sentimento de solidão! Querendo ou não, os atendentes dos bares sempre aceitaram, cumpriram esse papel: o de escutar e - os mais amáveis - dialogar e até dar conselhos aos "solitários e aflitos" (isso não é coisa de filme; basta passear pelos bares nas horas adequadas, quando o tráfego de pessoas é menor). Pareceu-me, assim, que em Santiago não fizeram mais do que "regulamentar", "oficializar" essa função, esse serviço tão antigo, anterior à existência de qualquer bar e da bebida tão necessária que é o café.


Essas garçonetes seriam, dizem os críticos, um tipo especial de prostitutas, seu trabalho uma forma light de prostituição. Pode ser. Também há quem diga isso dos psicólogos (prostituta/o é o xingamento que eles têm de aguentar mais; o preferido de seus pacientes mais exaltados, quando ficam fora de si). Mas se se trata de fazer comparações, para mim essas mulheres seriam isso, psicólogas. Psicólogas de pernas, seios e rostos lindos - além de mais acessíveis e menos caras (o preço de um café). Outros críticos argumentam que as pessoas que vão lá contar seus problemas se iludem, pois recebem uma atenção falsa. Mas a ilusão é uma sensação, real como qualquer outra, capaz de trazer benefícios. Esses homens não precisam de prostitutas, de sexo; precisam de algo ainda mais essencial. No fundo é puro Freud (ou é Lacan?): querem que alguém os escute, porque não é só do olhar do outro que a gente precisa para existir; é do olhar e da compreensão e do afeto, que muita gente não tem.


PS: Nessa viagem de 2005, eu estive por uma hora e meia num desses cafés. Não no Café Caribe, num menos cêntrico, no bairro que os santiaguenses chamam "dos cabeleireiros" porque muitos têm suas lojas lá. Fui para ver um jogo da Copa da Europa de futebol, que passava pela TV paga. Espero não ter ofendido a garçonete (só havia uma, o café era pequeno) com minha desatenção prolongada...

Obrigadão à Marinella pelas fotos. Tem mais Santiago aqui.

4 comments:

Marinella said...

Belo post, Roger!

As fotos também ficaram muito bem, tu conseguiu valorizá-las (quando abri, achei até que tu tivesse usado a primeira - borrada - pra esconder os rostos dos envolvidos! :-)

Tem um detalhe: Eu não expliquei no e-mail, mas as fotos foram tiradas no Café Haiti (o Caribe ficou só na fachada mesmo!).

Beijos

Roger said...

Obrigado Marinella!
Belas pernas ups! quero dizer: belas fotos.

Beijos.

uri said...

ets un cap calent...

i la teva teoria sobre la prostitució i els psicòlegs... més que prostituts/es, crec que encaixen en el segment de pervertits/des

Roger said...

Uri, primer els psicòlegs són uns "pirats", ara dius que són uns pervertits... En què et bases?

Que vaig calent "ho sap tothom i és profecia", no cal que ho escriguis aquí al blog.