Sunday, May 22, 2011

Copie conforme, de Abbas Kiarostami (com debate, no Santander Cultural)



Ontem assisti a Copie conforme, o filme de Abbas Kiarostami com Juliette Binoche. O Sérgio me disse para ir, fomos com o João e um grupo de amigos deles, convidados pelo Glênio, o programador do cinema. O filme é bom. Como a Ana Santos já tinha me dito, chato na primeira metade, quando os dois protagonistas (ela comerciante de arte, ele escritor e historiador da arte) discutem sobre o que é um original e o que é uma cópia, qual é o seu valor, etc. (chato porque o diálogo é cheio do que os franceses chamam "idées reçues", e porque o diretor enjoa o espectador com planos nada naturais, e longos, dos dois andando de carro, que enjoam o olhar), e muito melhor na segunda metade, quando eles passam a encenar um matrimônio fracassado depois de 15 anos (eles não são casados entre si, mas têm seus respectivos marido e mulher, seus respectivos matrimônios-fracasso). O filme é bom por essa discussão e porque mexe com o espectador, desconforta. A gente se vê, em maior ou menor grau, identificado em algumas coisas do homem, ou da mulher, ou do relacionamento. E não é agradável se reconhecer num homem-fracasso, numa mulher-fracasso, num matrimônio-fracasso. (O fato de que esses fracassos sejam humanos, fruto das misérias que homens e mulheres carregamos, todos, não alivia, ou a mim não me aliviou; ainda não aprendi a gostar dessas misérias, ao contrário do meu pai, que diz que gosta delas cada vez mais.) Filme surpreendente, para mim, também, porque nele vi, perfeitamente retratado, um casal que conheço (bem, conheço a mulher), mas disso não vou falar. Cinematograficamente, o filme não é tão bom: longe do naturalismo e da simplicidade dos últimos filmes de Oliveira ou de Rohmer, que eu adoro, é um artefato, um construto, vem-se todas suas costuras, a arquitetura por trás. Mas enfim, como a história é boa, humana e tocante, isso pouco importa.

Chato mesmo foi o debate posterior, com uma psicanalista da UFRGS e um filósofo da PUCRS. Seus comentários se repartiram entre, eu diria, 50% bobos e 50% interessantes (pensando bem, não é tão ruim). Nesses momentos, eu disse ao Sérgio na saída, é bom ficar meio escutando, meio sem escutar, usando algumas observações como isca para a gente pensar por si mesma. Eles falaram do filme como um filme sobre "o desencontro", "a dificuldade de se comunicar com o outro", "o que leva as pessoas a estarem sós". Para mim, o tema central do filme é o matrimônio (inclusive o título, ninguém disse, pode se referir a isso: copie conforme, documento oficial, fotocopiado e assinado, contrato entre duas partes, contrato matrimonial), e está na linha de Cenas de um matrimônio e outros filmes sobre o tema. Aqui o matrimônio, repito, é um fracasso total, com três contrapontos de matrimônios felizes (ainda bem): um que aparece na história, dialogando com os protagonistas; outro que aparece mas não fala, composto por dois velhinhos que, por como agem, vê-se que se amam e se amaram toda a vida; e um terceiro que é o mais importante e feliz, ausente no filme, só referido: o da irmã da protagonista, de quem esta (Juliette Binoche, chatinha) sente inveja. Há um outro matrimônio que adorei: esse aparece só num plano (longo o suficiente, perfeito), representado unicamente pela mulher: numa igreja, a câmera (no filme a câmera se enxerga sempre, e isso dá um filme "do diretor", e isso é ruim) foca uma noiva, uma garota com cara de quem vai ver um morto em vez de se casar.

O Sérgio, na saída, quis picar o Glênio (imitando os protagonistas, que implicam o tempo todo). "Não é para se debater nada depois de um filme", ele disse, mais ou menos, "isso estraga tudo". Eu disse: "Sérgio, ele é o programador, organizador dos debates...". "Eu sei", ele sorriu, "por isso que eu falo". O Sérgio é genial, muito fera e muito palhaço, mas o Glênio não foi tão bem-humorado: "Então não vem, pô!". "Então não me convida!" "Então tá, não te convido mais. ... As pessoas gostam!, quando tem debate é que a sala lota!" O sangue não chegou ao rio, eles se deram um abração. (Mas o Glênio ficou meio magoado, fomos jantar e ele ainda estava meio assim; bom, pior para ele.) Concordo com o Sérgio. Quando um filme é bom, ou um romance (saudade de esculhambar romances e escritores na faculdade, sobretudo com o Josep, também com o Francesc e o Carles, mas o Josep era mais danado), ou qualquer outra obra de arte (pintura, etc.), melhor não falar nada, essa experiência não é compartilhável. Outra coisa é quando um filme, romance, etc. é muito ruim. Então sim, nada melhor, é muito prazeroso ter amigos perto com quem conversar, sentar num banquinho e falar do mal, esculachar, dar risada.    


PS: Na terça às 19 h o filme passa de novo, com debate em francês. Vale a pena, recomendo. (Ah!, e o Glênio é um cara legal! ;)   


PS nada a ver: Sergi, aquest és el Quim Monzó tal i com l'imiten al "Polònia" (en un programa de llibres, amb el Pere Gimferrer i la Maruja Torres):

4 comments:

Marinella said...

Acho que discutir o filme é que nem sair a bater palmas num concerto quando mal terminou a música. O ideal é dar alguns segundos de silêncio pra reverberar o som...

Por outro lado, a gente sempre fica curioso pra saber o que os outros acharam, se partilham da nossa opinião ou da nossa emoção.

Roger said...

Eu gosto de saber o que os outros acharam, quando o filme é bom. Mas só horas, ou dias depois: quando a emoção fez "seu trabalho". Já se achei o filme MUITO bom, ou me impactou de uma maneira especial, quase que não dá nem para falar...

Pensei em ti, espero que a maratona tenha sido ótima!

Beijo

Leo Wittmann said...

Haha, o Glênio é uma figura! Tive aula com ele. Um dos melhores professores do cinema.

Roger said...

Teve? Achei ele bem querido. Conversamos um pouco, mais sobre literatura do que sobre cinema.