Saturday, April 14, 2007

Cacau

Imitando a Maria, brasileira que mora na Suécia (tem o link ao seu blog na coluna à direita), resolvi fazer breves resenhas dos livros brasileiros que eu leio. Assim como as dicas ou traduções de músicas, acho que podem ser de interesse para alguém. Se não, vou fazê-lo mesmo para me divertir.

Cacau é de 1933. É um dos mal chamados "romances comunistas" de Jorge Amado. Romances que são, na verdade, realistas e engajados. E é o segundo romance do escritor. Nele dá para ver, em alguns detalhes, que Amado ainda não é o grande escritor que depois será (em Capitães da Areia, de 1936, ou em Gabriela, cravo e canela, de 1958, por exemplo: os outros dois livros dele que eu li). Mas mesmo assim é um livro bom. E, mais importante, serve para entender como era a vida dos negros que, nessa época, trabalhavam nas roças de cacau em regime de semi-escravidão. Até serve para entender declarações como as da atual Ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, que achou compreensível que um negro não gostasse de um branco. ("Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou", a ministra falou; e a imprensa não demorou em se jogar em cima dela. Claro que é ministra, e ainda da igualdade racial; mas também é pessoa...)

Meu trecho preferido do livro é aquele em que o negro Osório tem ordens de matar um companheiro porque o tal companheiro (esqueci o nome) esfaqueou o filho do fazendeiro (a quem achou transando com sua namorada). Aí Osório diz: Pega tudo e vá embora. E abraça o companheiro. O companheiro vai embora, e Osório dispara pro mato. O narrador, que é o único branco que trabalha na roça, presencia a cena e fica comovido. Osório diz: Capataz até eu mato, mas trabalhador eu não mato. O narrador fica pensando nos motivos de Osório. Osório gostava do outro? Gostava, sim, mas não foi por isso que não o matou. Então pensa que foi por generosidade. E finalmente diz: Só quando cheguei no Rio aprendi o que era aquela generosidade. Uma palavra bonita: consciência de classe.

O Ronaldo, que foi, junto com a Rose e a Rosa, quem me deu o livro de presente, guarda na sua casa em Salvador um recipiente de vidro cheio de papelzinhos dobrados; papelzinhos com frases que ele mesmo procura e digita no computador. Os amigos podem pegar esses papelzinhos, e eu guardo dois deles em casa, correspondentes às duas visitas que lhe fiz (guardo eles inapropriadamente, num cinzeiro onde deixo as moedas de 5 e 10 centavos). A Gabriela copiou essa idéia, e tem agora um recipiente desses em casa, e pouco a pouco vai enchendo-o de papéis. A primeira frase que eu ganhei dela foi a seguinte, bem relacionada com o livro de Amado. Frase de Dom Helder Câmara, religioso cearense, arcebispo emérito do Recife e Olinda:

"Se dou comida aos pobres, chamam-me de santo; se pergunto por que pobres não têm comida, chamam-me de comunista."

Nas imagens, colheita de cacau e trabalho nas barcaças.

Mais sobre este tema em Fazendas de cacau na ficção amadiana.



4 comments:

Anonymous said...

mas ah!, garoto!
gosto mais de quando tu escreves e deixa as traduções de lado um pouco!

Anonymous said...

Vou tentar! :)))

Maria Fabriani said...

Oi Roger! Bacana a idéia do pote de frases. Obrigada pela referência. Esse do Jorge Amado eu nunca li. Amei "Mar Morto", que li numa tarde quando ainda era adolescente. Bacana. Não me lembro mais se o coloquei na minha lista de livros lidos... Um abraco!

Anonymous said...

Obrigado Maria! Vou tentar ler! Também quero ler Dona Flor e Terras do Sem Fim. Agora estou lendo A Hora da Estrela e um livro novo sobre um jovem que mora em Porto Alegre com um cão e uma prostituta: O dia em que o cão morreu. O da Clarice, uma maravilha. E este segundo, do Daniel Galera, está legal. Abraço! :))