Wednesday, March 10, 2010

Capítulo 23 (rascunho)

Tomei o café da manhã no hotel e arrastei a mala praticamente de uma ponta à outra da rua 14, a vista fixa no chão, contornando com rápidos golpes de pulso os obstáculos na calçada. Meus olhos registravam formas e cores - das camisas das pessoas que passavam por mim, dos artigos expostos nas vitrines (o resto era tudo cinzento, amanheceu nublado) -, mas elas me chegavam como em surdina, deixando só uma leve impressão. Esforçava-me em reter a imagem das cruzes, que, aos poucos, iam escorregando do caderno, deixando de simbolizar qualquer coisa.

Quando cheguei à residência, um prédio novo, cor lilás, vi jovens empurrando contêiners contra as portas de vidro da entrada (terminado o ano universitário, iam embora, esvaziavam os quartos). Preenchi um formulário no guichê da recepção, e enquanto uma mulher comprovava meus dados li, com certa desilusão, que o café, um corredor ao longo da fachada, não ia reabrir até o início das aulas, em setembro.

O apartamento, no 3º andar, tinha uma sala, um banheiro, uma pequena cozinha (não separada da sala) e dois quartos, um a cada lado. O chão da sala era de carpete escuro; as paredes, de um branco desbotado, sem nenhum enfeite. Por toda mobília havia um sofá com armação de madeira ruim, encostos e assentos removíveis, e, ao fundo, em frente à janela, uma mesa redonda e três cadeiras. Amontoados na cozinha, copos, panelas e pratos sujos de dias atrás. Inóspita, com restos de comida por tudo e latas de cerveja jogadas na mesa e no chão, a sala parecia uma terra de ninguém. Talvez porque eu já estivesse resignado, esse abandono não mexeu com meu ânimo: é aqui que eu vou morar, simplesmente pensei.

Meu colega de quarto havia chegado. Suas malas estavam no estreito vão entre as duas camas, e em cima de um colchão vi um envelope como o que eu tinha na mão, com o nome Douglas Green e a sigla MCH escritos com marcador.

Nas estantes à cabeceira da cama coloquei livros que depois não ia ler. Na mesa embaixo das estantes enfileirei fotografias que não ia olhar mais, que só olhei naquele momento, ao apoiá-las na parede cuidando de não deixar oculto o rosto de nenhum amigo. As grossas pastas-fichário que recebemos no primeiro dia de aula - Book Publishing e Magazine Publishing -, com documentação exaustiva sobre cada palestrante e cada assunto do curso, também ficaram lá, esquecidas na pequena escrivaninha. Só as usaria de manhã, para me informar de quem iria nos falar durante o dia e decidir se poderia não assistir às palestras.

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