Wednesday, June 25, 2008

Sereias de Fortaleza

(Conto para a Oficina de Criação Literária.)


De manhã, nas dunas

– Com emoção ou sem emoção? – pergunta o motorista do buggy, alargando o sorriso, ao chegar ao topo da primeira duna.
– Hmmm... Com um pouquinho de emoção – responde o turista, de Salvador.
– Sem emoção nenhuma – corrige-o, severa, a namorada paulistana.
O forasteiro não diz nada. Pensa que é assim que as coisas são.

De tarde, na pousada

Mulheres Apaixonadas. Capítulo 124. O homem diz à mulher alguma coisa importante, alguma coisa em seu interesse (que ela deveria ser persistente e gravar as músicas que tem escrito, ou que deveria terminar o livro em que tem trabalhado tanto tempo), e ela olha para ele com olhos bovinos, sem processar o que está escutando, sem ligar a mínima para o que está escutando, porque o que quer – a única coisa que ela quer – é o beijo. Assim, ela fecha os olhos, seus olhos rendidos, e precipita-se sobre os lábios dele. Para obter mais um simples beijo – para continuar beijando-o.

De noite, no restaurante

Fortaleza é uma cidade cheia de europeus feios, de meia-idade, relativamente abastados, chegados com o propósito de ter sexo com meninas brasileiras pobres. Três deles, italianos, estão sentados em uma mesa próxima à do forasteiro. Bronzeados, de cabelo engomado, usam camisas brancas de algodão desabotoadas no colo e não fazem nada exceto rir espalhafatosamente e mostrar seus relógios caros às meninas negras com quem estão jantando – duas meninas muito jovens que simulam pendurar-se de palavras que nem sequer entendem.

De madrugada, no boteco

O forasteiro lembra-se dos italianos ao encontrar, de madrugada, um homem semelhante: um belga careca e com a cara rosada, pingando suor, cujo nome não retém. O homem tem plena confiança em ter sexo com Simone – garota muito magra, morena, de dezoito anos, diz ela – e ridiculariza as meninas com quem está tomando drinques por não saberem nada de Lucky Luke ou Simenon.
Então diz berrando ao forasteiro, indicando-lhe Simone:
– C’est domage son visage!
Espalhadas na cara da menina há algumas marcas de acne juvenil.
Alerta, maternalmente protetoras e expertas, as duas amigas mais velhas fazem com que o belga saia espantado e correndo do bar.

De manhã, na praia

O forasteiro bóia de costas na água, com a esperança de que a corrente o leve perto de onde nadam as sereias. Quase chegando ao seu lado, não levanta a cabeça. Sob a água ouve o cric-cric das pedrinhas do fundo, revoltas pelas ondas, e as gargalhadas delas, que não lhe prestam atenção. Pensa em fazer um movimento engraçado, mas logo desiste. Tudo bem considerado, retorna à areia. Lá outras sereias tomam banho de sol. Pensa em ir até elas, falar para elas. Mas não vai. Fica a olhar àquela que repousa meio erguida na sua frente. Sereia quase nua olhando para o horizonte. O sol deve estar deixando-a cega.

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