Wednesday, August 26, 2009

As nuvens, de Juan José Saer

Li em duas sentadas este livro de Juan José Saer, o segundo "anti-Borges" (o primeiro e mais querido é, para mim, Manuel Puig). Lendo o início, esperei uma obra mestra. Talvez não o seja, mas é um romance muito bom. O assunto, a viagem de um médico alemão, com uma caravana formada por índios, soldados e prostitutas, para levar cinco loucos desde uma aldeia cem léguas ao norte de Buenos Aires até uma nova clínica psiquiátrica fundada por ele e seu mestre, com "métodos novos, mais humanos". O tema, a relatividade da loucura. E a loucura de se aventurar pelo pampa - que, descrito por Saer (a história se passa no início do século XIX) é o próprio inferno. O narrador é o médico, mas neste trecho inicial, que me maravilhou (e que agora, ao transcrever, achei proustiano), o autor se refere em 3a pessoa a quem encontra o manuscrito da viagem, nos dias atuais - o romance é de 1997; Saer morreu em 2005. (Trad. de Heloisa Jahn.) (Estou lendo autores argentinos e uruguaios em português, quem diria. A tradução é muito boa, mas seria legal que livros de Buenos Aires estivessem à venda aqui; estamos tão perto...)


[...] A casquinha dupla de creme e chocolate que se prepara para tomar será seu único almoço, e se esperou até tão tarde - já são quase duas e meia - para sair do escritório e comprá-lo é porque decidiu que o sorvete terá a função de permitir que fique sem comer até a hora do jantar. O calor é, sem dúvida, a causa principal de sua frugalidade, mas uma espécie de estoicismo que poderia ser considerado esportivo, produto não de uma regra que aplica a toda a sua vida, mas capricho do dia, confere a essa estratégia física uma vaga coloração moral. De modo que se sente bem durante alguns segundos, contente, leve, sadio e, apesar de já não estar longe dos cinqüenta, imagina contar com um futuro - imediato e remoto - claro, direito e vívido, como um tapete vermelho estendido desde a ponta de seus pés até o infinito. Quase ao mesmo tempo, o rigor do verão, o tumulto da rua, os gases escuros emitidos pelos automóveis e que envenenam o ar puxam-no de volta para uma certa medida de realidade, para esse meio-termo do estado de espírito situado a igual distância da angústia e da euforia e que aqueles que imaginam conhecê-lo relativamente bem, e ele próprio, mesmo quando por distração se deixa convencer por eles, chamam com segurança injustificada seu temperamento.

Saturday, August 22, 2009

Muita frescura

No guarda-volumes do MARGS, onde estão expostas temporariamente obras dos mais importantes pintores franceses, um homem vestido de camisa e bombachas resmunga, com voz cada vez mais alta:
- É muita frescura. É muita frescura.
Até que o garoto e a garota atrás do balcão cansam, e o garoto pergunta:
- O que é uma frescura senhor?
- Não poder entrar com o chimarrão. Aqui no Rio Grande do Sul.


PS nada a ver: Rosa Montero.

Friday, August 21, 2009

Medo(s)

Eu estava na rua Uruguai, olhando para o alto, e reparei nos aparelhos de ar condicionado. Há prédios antigos de cinco ou seis andares, e outros de mais de doze. E em cada andar há, do lado de fora, seis ou mais desses aparelhos. Não tenho fobias, nenhum tipo de pânico, mas espero que estejam todos muito bem parafusados. Já pensou, se um dia começarem a cair em cima da cabeça dos transeuntes? (São coisas que a gente imagina quando está desocupada.)

Aproveito para recomendar um livro que ainda não comprei nem li, mas vou ler. A Companhia das Letras lançou agora Bem que eu queria ir, de Allen Shawn (filho de William Shawn, editor-chefe da revista The New Yorker entre 1951 e 1987), que conta seus "medos de quase tudo", faz uma "arqueologia de suas fobias".

Allen Shawn, escrevendo sobre seu pai e a revista The New Yorker: "Hoje eu diria que, como eu, ele era agorafóbico e sofria de transtorno do pânico. Ao contrário de Emily Dickinson, era ativo e precisava da empolgação de estar presente no mundo, mas também buscava segurança e tentava fazer um porto seguro de todos os contextos em que entrava. Ele via a revista que editava como uma espécie de abrigo intelectual e moral para seus leitores. Descrevia cada edição como uma espécie de 'presente' enviado aos assinantes, uma recompensa, talvez, por terem chegado ao fim de mais uma semana" (p. 51-52).

Antes de vir ao Brasil em 2005, assinei por três anos à revista. E ainda hoje procuro às vezes abrigo nela, deslocando-me até a Livraria Cultura e comprando a preço de ouro números um mês atrasados.

Monday, August 17, 2009

Por que o mundo não pode funcionar

Há no mundo 1) pessoas que usam guarda-chuvas, 2) pessoas que não usam guarda-chuvas* e 3) marquises.

E há o seguinte: as pessoas que usam guarda-chuvas não se afastam do lado de dentro da calçada, ou seja, de debaixo das marquises, enquanto as pessoas que não usam guarda-chuvas caminham pelo lado de fora, sob a chuva.

Por quê?

As pessoas que usam guarda-chuvas 1) não sabem o que têm em cima da cabeça, 2) são tão conscientes quanto as pessoas que não usam guarda-chuvas da inutilidade ou ineficácia do guarda-chuvas (mas, então, por que o usam?), 3) se importam pouco ou nada com as pessoas que não são elas.

Minha suspeita: o princípio que leva as pessoas que usam guarda-chuvas a caminhar debaixo das marquises é o mesmo que leva as pessoas que têm dois carros a quererem três ou as pessoas que têm cinco milhões a quererem dez.

Por isso o mundo não pode funcionar.


*Por diferentes motivos: 1) estéticos (não gostam do treco e/ou não se preocupam com seu cabelo), 2) humanitário-científicos (querem que o treco de há 300 anos evolua algum dia, 3) poéticos (Uma vez eu perdi o meu medo / O meu medo, o meu medo / O meu medo da chuva / Pois a chuva voltando pra terra traz coisas do ar).

Friday, August 14, 2009

Twittando

Ninguém disse que é um absurdo, um nivelar por baixo, coisa para quem não lê nem escreve, isso do Twitter, só poder usar 140 caracteres?*


*Queria argumentar, mas já usei 136. Restam-me quatro: FUCK.

Wednesday, August 12, 2009

Céu, Cordão da Insônia

Céu está de volta com seu segundo disco, "Vagarosa". Eu vi ela em fevereiro do ano passado em Salvador, com a Rose e o Ronaldo. Agora ela se apresenta... em Porto Alegre :) Dia 27, no Opinião.



Da Folha de hoje: "A proposta é uma música irracional, que mais estimule o corpo do que a cabeça, que ganhe o ouvinte pelo tato, pelo suingue. Talvez por isso a Jamaica seja, de novo - até mais que o Brasil do samba -, a principal referência rítmica de 'Vagarosa'".

Monday, August 10, 2009

O meu nome é Legião, de António Lobo Antunes

Há anos, mais de cinco, li alguns textos de Lobo Antunes. Eles encerravam o caderno cultural Babelia, do El País. Não gostei, não entendi nem do que tratavam, os achei poéticos demais, achei quase ridículo, fora de moda, que fossem escritos sem pontuação. Deixei de os ler.

Muito tempo depois, agora, comecei a ler O meu nome é Legião, seu último romance. O comprei por vários motivos: pelo título (sei: besteira); porque uma professora disse que ele, mais do que Saramago, merecia o Prêmio Nobel; porque achei o assunto, a miséria e a degradação humana na periferia de Lisboa na atualidade, muito interessante; porque ele foi o escritor mais aclamado na última FLIP; porque em uma entrevista na TV disse que escrevia pensando no entretenimento do leitor (estava brincando?); porque eu queria saber como escrevia, não bastava ter lido aqueles artigos no jornal.

Parei de ler na página 100. O livro é tão chato que dá a sensação de que deve ter sido chato inclusive escrevê-lo. São mais de 200 páginas de fluxo de consciência. Quem agüenta? E o pior: por que?, qual é a necessidade de contar essa história usando essa técnica? (É arbitrário!) Por que o relatório do policial, no início do livro, não pode ser um relatório e basta, em vez dessa mistura de lembranças que acaba com a paciência do leitor? E a prostituta a continuação? Não daria para conhecer a sua história "desde fora"?, sei lá, através de diálogos, por exemplo? E por que ela pensa como o policial?, por que os fluxos de consciência são iguais? (Nota: Incomoda também a famosa questão da poetização da miséria: neste caso, não é o que as personagens dizem, ou pensam, que é poético, mas a forma em que o dizem.)

E isso tanto tempo depois de Joyce, e Faulkner, e quem quer que for que inventou o fluxo de consciência em literatura. A neurobiologia é a ciência que avançou mais desde então, e já não dá para não ver que essa técnica é afetada, um artifício mais evidentemente artificial do que outros artifícios pretensamente realistas. Por que não aproveitar o avanço científico para criar uma nova maneira de representar o pensar? Se é que a gente não pensa assim! (Nota: Terminei de ler as Confissões de Rousseau; Rousseau, sem o pretender, com toda sua verborragia, está mais próximo de mostrar como opera o pensamento do que autores como Lobo Antunes neste livro.) (Nota 2: Provavelmente D. Foster Wallace tentou, mas ainda não li seu tijolão, Infinite Jest.)


PS: Antes de falar mal de Lobo Antunes, uma vaca sagrada (quem sou eu?, podia não estar enxergando nada), quis me precaver, procurei alguma crítica do livro na Internet. Achei a de Pedro Mexia, que saiu no caderno cultural do Público: "O texto antunino é hoje uma melopeia cheia de repetições, parênteses, devaneios, saltos temporais, períodos que não acabam ou que elidem os verbos. É um estilo que se tornou maneirista. Que se tornou sentimental. Que exige uma leitura quase ofegante. É fácil ficarmos deslumbrados com este tipo de escrita quando o descobrimos. Mas ao fim de uma década e de um punhado de romances só os incondicionais não acusam algum cansaço".

Saturday, August 08, 2009

Não dá pra entender :'(



Aos 26 anos, capitão do Espanyol morre de ataque cardíaco


UOL - Das agências internacionais em Barcelona (ESP)

O jogador Dani Jarque, capitão do Espanyol, da Espanha, morreu neste sábado, na Itália. Segundo as primeiras informações, o atleta, de 26 anos, teve um ataque cardíaco no quarto do hotel em que a sua equipe estava hospedada na cidade de Coverciano, e foi encontrado por seus companheiros já sem vida.

(...)


O Estado de S. Paulo

O Espanyol estava fazendo sua pré-temporada em Coverciano. No domingo, iria jogar com o Bologna, mas a partida foi cancelada em razão da morte do jogador espanhol e o time voltará para Barcelona.

(...)

Daniel Jarque chegou ao clube quando tinha apenas 12 anos. Fez sua estreia em 2002 e participou da conquista da Copa do Rei em 2006. No mês passado, o zagueiro conquistou o posto de capitão do time.



El País

La nueva casa del Espanyol en Cornellà-El Prat, inaugurada hace una semana con un colorido espectáculo, vive ahora la antíteis de esa fiesta a consecuencia de la muerte de Jarque. Los aficionados pericos han acudido espontáneamente a la puerta número 21 del estadio, el mismo número del dorsal que vestía el capitán espanyolista, para rendirle homenaje.

Somos el Espanyol, nunca olvidamos nada: artículo de Enric González.



Foto de iPhone enviada por Ramon.

L'afició verd-i-negra sempre al costat de l'afició de l'Espanyol. :)


PS nada a ver, mas muito importante: Um grande abraço para meu irmão Ramon e para a Nelia, que cuidaram dos meus pais enquanto meu pai se recuperava no hospital (nada grave, uma infecção chata). Conhecendo o Ramon, deve ter ido cada dia. (E os outros três irmãos, sumidos pelo mundo...) O Ramon até foi no estádio do Espanyol (antes dessa tragédia) comprar, na loja, um pack para o pai. (E fantasiou ele, só que meu pai não quer enviar a foto.) Meu grande irmão.

Friday, August 07, 2009

Tuesday, August 04, 2009

(Alguns) Brasileiros morando em Barcelona

Programa de 30 minutos sobre a comunidade brasileira na Catalunya. Em catalão. Bom, com testemunhas em português, também. Estou postando sem tê-lo visto ainda. Passou ontem.

Monday, August 03, 2009

Nova casa (própria!)

Ontem foi inaugurado o novo estádio do RCD Espanyol, meu time de futebol. O time do Jorge, da Julia, do meu pai, dos meus irmãos, do meu avô, que ia ao estádio de Sarrià, tanto tempo atrás, do Mr Bulbena, de todas aquelas pessoas que são especiais demais para torcer pelo outro time de Barcelona. Força Espanyol!




Foto de iPhone enviada por Ramon.


PS nada a ver: De uma galeria de arte moderna em Washington D.C. (enviado pelo Ronaldo):

Saturday, August 01, 2009

Still from New York

Uma amiga me perguntou se eu conhecia a expressão em inglês "to give head", e achei engraçado e me pus a cantar esses versos de Chelsea Hotel nº 2 e a lembrar de Nova York.




PS: Manhattan antes da chegada dos holandeses:


NYT

Tuesday, July 28, 2009

Monday, July 27, 2009

Baleias em Ipanema (hoje!)


Baleia e filhote nadam em Ipanema e atraem atenção de banhistas
e motoristas que passavam pela região (Folha Imagem).





PS nada a ver: Gisele descabelada:

Thursday, July 23, 2009

Confissões, de Rousseau

Depois de muito olhá-lo na Cultura, um dia comprei este livro como um dever (não era leitura obrigatória*, mas no mestrado tínhamos uma disciplina sobre literatura autobiográfica); o comecei a ler com algum receio; de fato, o achei chato; lá pela página 200, quase o abandonei; e agora só espero a hora de deitar para continuar a devorá-lo.

Vou comentá-lo um pouco quando tenha tempo. E, principalmente, vou copiar alguns trechos (tradução de Rachel de Queiroz e José Benedicto Pinto). Por enquanto, só adicionar que, muito antes de ser citado pela professora da disciplina, foi, para mim, a recomendação de um "defunto". Podem me chamar de idólatra, mas as dicas de Renato Russo não as deixo passar (Anna: seu esporte preferido era a natação). Graças a ele descobri Pato Fu, o Tao Te King, Adélia Prado, e outros livros, bandas, etc. que agora não lembro. (Só não vou ler a Bíblia, que ele leu e releu.) (Até porque meu irmão Ramon me a roubou.)

Fragmento 1, do Livro Quarto:

Esses longos detalhes da minha juventude parecerão muito pueris, e isso me aborrece. Embora tenha nascido homem, a certos respeitos fui criança muito tempo, e ainda o sou em muita coisa. Mas não prometi oferecer ao público um grande personagem: prometi me retratar tal qual sou e, para que me conheçam na idade avançada, é preciso que me tenham conhecido bem na juventude. E como, em geral, os objetos me impressionam menos que as lembranças, e todas as minhas idéias são em imagens, os primeiros traços que se me gravaram na cabeça lá ficaram, e os que se imprimiram depois, antes se combinarem com eles do que os apagarem.

Fragmento 2, do Livro Terceiro:

O padre Gaime [...] pintou-me um quadro verídico da vida humana, da qual eu só tinha idéias falsas. Mostrou-me como, mesmo com um destino adverso, o homem sensato pode sempre aproximar-se da felicidade e correr a favor do vento para a alcançar; e como não há verdadeira felicidade sem sabedoria, e como a sabedoria é indispensável a todas as situações. Amorteceu muito a minha admiração pela grandeza, provando-me que os que dominam os outros não são nem mais sábios nem mais felizes do que eles. Disse-me uma coisa que me volta sempre à memória: é que, se cada homem pudesse ler no coração dos outros, haveria mais pessoas que quereriam descer do que pessoas que quisessem subir.

Fragmento 3, do Livro Segundo:

[A Sra. de Vercellis] gostava que eu lhe mostrasse as cartas que escrevia à Sra. de Warens e que lhe prestasse contas dos meus sentimentos. Ela, porém, não soube avir com acerto para os obter, nunca me mostrando nada dos seus. Meu coração gostava de se expandir, mas só quando sentia que o fazia em outro coração. Interrogações secas e frias, sem nenhum sinal de aprovação, nem de censura a minhas respostas, não me inspiravam nenhuma confiança. Quando nada me significava que minha tagarelice agradava ou desagradava, ficava sempre receoso, e procurava menos mostrar o que pensava do que dizer algo que me pudesse prejudicar. [...] Enfim, para ler no coração dos outros, é sempre um mau processo mostrar-se que se esconde o próprio coração.


Fragmento 4, do Livro Nono:

Sei que me repito, mas é preciso: a primeira das minhas necessidades, a maior, a mais forte, a mais inextinguível, residia toda no coração; era a necessidade de uma convivência íntima, tão íntima quanto o pudesse ser; era por isso, sobretudo, que eu carecia mais de uma mulher do que de um homem, de uma amiga que de um amigo.

Fragmento 5, do Livro Terceiro:

Nunca pude fazer nada com a pena na mão, em frente a minha banca e ao papel. É nos passeios, no meio dos rochedos e dos bosques, é à noite na cama e durante as insônias que escrevo, no cérebro. E pode-se imaginar com que lentidão, sobretudo para um homem inteiramente desprovido de memória verbal, que durante a vida inteira não pode guardar seis versos de cor.

Fragmento 6, do Livro Sexto:

Nos primeiros dias, a curiosidade me tornou indiscreto e [as abelhas] me picaram uma ou duas vezes. Mas logo fizemos tão boa amizade que me deixavam chegar tão próximo quanto eu quisesse, por mais cheias que estivessem as colméias, prestes a soltarem os enxames, que às vezes me cercavam, me pousavam nas mãos, no rosto, sem que nenhuma delas me picasse. Todos os animais cismam com o homem e têm razão. Mas logo que se certificam de que não lhes queremos fazer mal, sua confiança fica logo tão grande, que é preciso ser mais que bárbaro para a ludibriar.


*Deveria ser, como as Confissões de Santo Agostinho, o outro livro fundador do gênero.



PS nada a ver: Hoje acordamos com 4ºC de temperatura: voltei para a cama. Amanhã teremos 0ºC e será o dia mais frio da década em Porto Alegre. Quem diria, sair à rua com luvas. É verdade que há muitos Brasis.

PS nada a ver 2: Caetano Veloso, ontem na Folha: "Por mim, os ingressos todos dos meus shows deveriam ser menos caros, porque o público que tem muito dinheiro é, em geral, muito careta - e eu não sou careta".

PS nada a ver 3: An Ancient Society Faces New Change In Brazil.

Tuesday, July 14, 2009

Mayra Andrade

Eu estava procurando a forma correta de escrever "cabo-verdiana", para o relatório de um curso de poesia africana ao que assisti, e dei com esta cantora, Mayra Andrade. (Como é bom googlear... :) (Essa, a Rose, que conhece tudo, não deve conhecer. ;)

Thursday, July 09, 2009

Um irmão em busca de si, parte e 4



Este vídeo é um presente para meu irmão Uri, que terminou o Camino de Santiago, mas, ao não conseguir adiar o vôo de volta a Barcelona, não pôde caminhar mais uns dias, até Finisterre, como ele queria. Uri, aqui tens o vôo, pelas paisagens quase virgens da Galícia, até o fim da terra, onde espera o mar - ou uma mulher.

Esta é sua crônica:



Sei que parece impossível, sei que muitos não acreditavam em mim, sei que sua fé em minhas pernas não era superior à minha, mas a vida é assim, surpreendente e maravilhosa.

730 km a pé dão muitas histórias, e a palavra escrita não basta. Mas, vou dizer. Neste mês fui benzido mais vezes do que em toda minha vida. Por 300 km caminhei ao lado de Frodo, o portador do anel, deveriam ter visto seus pés. Lavaram e beijaram meus pés como Jesus fez com os apóstolos, fui ordenado cavaleiro da ordem dos Templários, dormi em chãos duros de ginásios e chãos ainda mais duros, de pedra. Caminhei de dia e de noite, sob a chuva e sob o sol, só e em companhia, com hobbits e com bruxas, e enfrentei cachorros e outros animais. Vi uma cabeça aberta ser fechada com grampos. Dansei e bebi e cantei à saúde da vida, dormi em lugares que nunca imaginariam, ouvi sons horríveis produzidos por homens. Conheci pessoas dos cinco continentes. Caminhei 41 km em um dia. Furei minhas bolhas, passei creme em minhas coxas, isso foi o mais perto que estive do sexo. E depois de 31 dias, cheguei a Santiago.

Não virei maluco, não saí dos trilhos. Nunca estive tão são, e o Camino me ensinou que a loucura é o dia a dia que vivemos neste mundo ocidental, que pirou. Não vou fazer discursos. São as ações, não as palavras as que valem. Mas minha vida a partir de agora vai seguir um caminho mais Tao, porque o Camino de Santiago é somente o mais curto dos caminhos que devemos recorrer. Mas é importante, porque é o primeiro.

Minha barriga não sumiu, deve ser genética, porque eu emagreci, e ela segue aqui, tão redondinha, bonitinha, orgulhosa de si. Fiquei bronzeado, mas o bronzeado pelegrino é antiestético, vou ter que ir à praia de manga comprida. Aprendi que não importa quanto tempo a gente fique esfregando sabão, se ao lado, na única privada, 60 pelegrinos defecam. Como caminhar tanto deixa o interior do corpo podre! Posso dizer que The North Face gasta mais em propaganda do que em produtos, e que os Compeed estão superestimados. E já não tenho mais vergonha de entrar na farmácia e pedir dois potes de vaselina, por favor. [Antes tinhas, Uri, irmão?]

O Camino é grande e rico em experiências. Mas não é assim que a vida deveria sempre ser?

Finalmente, é bom lembrar: a vida passa, mas o caminho se faz.


PS nada a ver: Roger índio:




PS 2 nada a ver (divulgando a literatura em catalão):

Monday, July 06, 2009

Last Chance Harvey

Sexta-feira, antes da compra do CD na Cultura, fui com a Anna (ela fez suas compras na Cultura antes: que agendas lotadas!) ver o filme Last Chance Harvey. O filme mais cheio de humanidade e amor que eu vi desde Away From Her. Foi mais uma recomendação do psicólogo Contardo Calligaris, que está sempre ali, na Folha, para falar sobre filmes ou romances que desvelam aspectos dos relacionamentos humanos (vou ver se depois recupero alguma coisa do que ele escreveu). Aqui se fala não só da possibilidade do amor entre um homem e uma mulher de mais de 50 anos, desiludida, ela, e "derrotado", ele, mas também do relacionamento de um homem e sua ex-mulher e, sobretudo, de um pai e uma filha por muito tempo afastados. (O trailer não faz justiça ao filme - quer vendê-lo como uma comédia -, e o título em português, Tinha que ser você, também não.)

Sunday, July 05, 2009

Pelo sabor do gesto

Comprei o novo CD de Zélia Duncan na sexta-feira. A turnê começou este final de semana em Niterói, sua cidade natal, e este vídeo, do primeiro show, foi postado hoje (por "Carmenen"). A música, que dá nome ao CD e à turnê, é uma versão da canção francesa "As-tu déjà aimé?", de Alex Beaupain.

Tuesday, June 30, 2009

Um irmão em busca de si, parte 3

Lo que más lamento es no haber escrito diarios de mis viajes. Nunca pensé tanto, nunca viví tanto, existí tanto, fui tanto yo mismo, si se puede decir así, como en esos viajes que hice solo y a pie. Ir a pie tiene algo que anima y aviva las ideas. Casi no puedo pensar cuando estoy inmóvil. Es necesario que mi cuerpo se mueva para que mi espíritu lo haga. La vista del campo, la sucesión de aspectos agradables, el aire libre, el gran apetito, la buena salud que adquiero al caminar, la libertad de los albergues, el alejamiento de todo lo que me hace sentir dependiente, de todo lo que me recuerda mi situación, todo eso me desembaraza el alma, me da una mayor audacia de pensar, me pone de un cierto modo dentro de la inmensidad de los seres para combinarlos, escogerlos, apropiarme de ellos a mi voluntad, sin incomodidades y sin recelos. Dispongo, como señor, de la naturaleza entera. Mi corazón, errando de cosa en cosa, se une, se identifica con lo que le agrada, se envuelve de imágenes encantadoras, se embriaga con sentimientos deliciosos.


Uri ya debe de estar llegando a Santiago pero no ha vuelto a escribir. Tal vez tenga llagas también en las manos, de tanto masajear piernas peregrinas. O a lo mejor está tan iluminado, después de tantos días de camino, que no puede expresarse con palabras (el viaje, al fin y al cabo, él lo dijo, es interior). Así que, para continuar la serie de posts sobre la búsqueda de sí, aprovecho para compartir otro fragmento de Rousseau, que escribe mejor que mi hermano (Confissões, Livro quarto). Esta vez en castellano.

Sunday, June 28, 2009

ANNAdadora: maratona de revezamento na piscina da PUCRS







Annadadora
Annadorada
Anna que nada
de swimsuit

Annadadora
Annadorada
Anna que nada
so se-xy

Monday, June 22, 2009

Pacote cultural

Quinta-feira fui trocar o livro Suicídios Exemplares, do escritor espanhol Enrique Vila-Matas. O comprei porque saiu agora no Brasil e porque achei que era da época de antes dele virar chato. Mas bastou ler um dos contos para ver que não, que então ele era chato. E o troquei. (Vila-Matas, não me enganas mais.) (Nota: Há quem possa gostar dele, não é que ele seja um escritor ruim.)




O troquei pela HQ O chinês americano, de Gene Luen Yang, indicado ao National Book Award americano. Muito bom. Não é como esses comics autobiográficos sobre problemas pessoais do autor. É isso, e muito mais, porque à história da adaptação de um garoto chinês a um colégio norte-americano se mistura uma antiga lenda chinesa, a do Rei Mono, maravilhosamente contada e ilustrada (dá para ver o Rei Mono, sob uma montanha de pedras, de braços esticados, no fundo amarelo da capa). Com ambas histórias, entrelaçando-as, o autor faz uma reflexão bem pé no chão sobre a aceitação da identidade individual. Os desenhos e as cores, em cada página, são um prazer.




Esse mesmo dia, de tarde, fui com a Anna à Fnac. Chegou a Fnac a Porto Alegre, e me senti como se estivesse na Illa Diagonal, em Barcelona, foi esquisito. Lá só comprei a New Yorker e a Esquire. Por que comprei a Esquire? Não sei. Bom, a comprei porque tinha um conto de Stephen King, com uma chamada muito atraente na capa: as primeiras linhas do conto pintadas no corpo de uma modelo brasileira. E porque Stephen King tem prestígio nos Estados Unidos (não na Europa, onde é considerado um escritor de best-sellers). O conto não é nada demais, mas tudo bem, valeu a pena lê-lo. Mas a revista? Quero criticar aqui essas revistas para homens. Para que tipo de homens são? E se a Esquire é a melhor de todas elas... nossa, eu quero descer. Parece uma revista escrita por crianças para crianças. Por babacas para babacas. Com textos de meia página supostamente engraçados sobre os temas mais banais (tipo, a cor das meias). Fiquei indignado. Desfiz a revista: guardei só o conto e uma reportagem sobre um menino narcotraficante e assassino na fronteira USA-México.




A New Yorker está ótima, como sempre. O número é de meados do mês de abril, e estamos quase em julho, e isso chateia um pouco, mas as reportagens não têm data de vencimento. Li uma dedicada ao uso de estimulantes pelos estudantes das melhores universidades. Não são estimulantes tradicionais. São medicamentos geralmente receitados a pessoas com doenças como o déficit de atenção, ou o Alzheimer, que circulam pelos campi como antes circulava a cocaína. São, em inglês, neurohenancers, potenciadores neuronais. E quem os toma pode ficar a noite inteira escrevendo papers. Em algumas faculdades, 25% dos estudantes estão dopados. E isso levanta questões, é claro: os outros estudantes, por exemplo, acham o uso desses medicamentos pelos colegas injusto. Mas parece que os expertos não são muito contra, e alguns dizem que, assim como foi aceita a cirurgia estética, será aceita esta "cirurgia neuronal". Interessante, mas eu não quero problemas, fico com o café (que é um neuroenhancer, também).

Tuesday, June 16, 2009

Um irmão em busca de si, parte 2

Coisas que o meu irmão Uri, que está fazendo o Camino de Santiago, escreveu em seu último e-mail:


- A luz é o caminho e o apóstolo meu destino.

- Eu sou o irmão peregrino, mas em verdade vos digo que isto não é mais do que uma redundância, pois não é que somos todos peregrinos, nesta vida?

- Estivemos em Burgos, em cuja plaza mayor parece ter caído uma bomba atômica. Está se repetindo o seguinte padrão: paisagem maravilhosa - cidadezinha horrível.

- Não vou dar nenhuma explicação das revelações extraordinárias que eu tenho, pois o caminho é interior e é difícil explicar esse tipo de coisas.

- Caminhamos 20 kilometros de noite, com chuva, na companhia de três peregrinos, bebendo cerveja, muy chulo.

- Cada dia que passa cresce a minha determinação de não voltar jamais ao mundo da publicidade.

- Hoje é o dia em que me ordenam templário, desde agora serei um cavalheiro e levarei a cruz.

- Enquanto passeio pelas bonitas paisagens que este país desconhecido me oferece, rezo cada dia por vocês.

- 20 minutos de internet custam um euro peregrino.

- O Camino não tem preço.

- Quanto a meus progressos espirituais (é isso, e não outra coisa, o que está escrito em meu passaporte peregrino: "motivos espirituais"), vão indo. Os primeiros dias, meu cérebro era um torrente de revelações tão grande que achei que não ia ser capaz de assimilar tudo. Mas as coisas estão entrando em seu ritmo e agora as revelações são mais pausadas.

- Tenho sonhos perturbadores (três por noite).

- Como pode o ressonar humano ser mais forte do que o rugido dos animais?

- Uri 1 - Bolhas 0. O segredo é a vaselina. (Foto acima.)

- Agora vem a parte mais dura do Camino, o páramo castellano: etapas planas, retas, tediosas, à beira da estrada, através de polígonos industriais, sob um sol de 40 graus. Etapas em que o peregrino se questiona sobre o sentido da vida ou as perversões sexuais das baleias.

- Meu amigo peregrino só fala: "Podia ser pior".

- Amai-vos e amai os vossos irmãos.

- O Quixote é uma obra-prima. Diminui tudo o que eu já li.


PS: "Só viajei a pé nos meus dias felizes, e sempre com delícias." (Confissões, Rousseau)

Sunday, June 14, 2009

"Qual é o seu nome?" Ao que ele respondeu: "Meu nome é Legião, porque somos muitos."

Adoro trabalhar neste cibercafé. O melhor computador fica reservado para mim. Os cafés, para mim são de graça. A música é quase sempre Legião, canções que, de tão escutadas, ouço sem escutar, não me atrapalham, são como afagos passados.

Friday, June 12, 2009

Y hoy es el día de los enamorados!

En Brasil! Y J. Simão dice: Habrá overbooking en los moteles! Que amor empieza en motel y termina en pensión! Y sabes cómo hacer que tu novia siga gritando después del coito? Límpiate la picha en la cortina! Hahaha! Y una amiga me dijo que su primer novio fue un pastor. Un pastor alemán. Hahaha! Y hay otra que quiere pasar el Día de los Enamorados en estado de coma. Que venga alguien y me COMA, por el amor de Dios! Y otra que quiere tener orgasmos múltiples CON ECO. Para que todo el edificio se entere de que tiene novio! Si no no tiene gracia! Y el mejor novio del mundo es el manco. Porque cuando te da la patada el que se cae es él. Y sabes qué le dice el manco a la manca? Ponte de tres patas! Hahaha! Y la recomendación de cada año: si tu novio te traiciona no te tires por la ventana! Tienes cuernos y no alas! Y sabes cuándo la pareja se va al garete? Cuando te comes más sapos que conejos! Es flojo? Es flojo pero agita que verás lo que sucede! Y aquí en São Paulo hay una boate perfecta para el Día de los Enamorados llamada BAKANAL! Perfecto para un momento romántico a dos. Dos en cada lado. Dos por minuto. Hahaha! Sufrimos, pero gozamos!

PS do Roger: E eu vou fazer uma tortilla de patatas para a minhaNNamorada!!!!

Tuesday, June 09, 2009

Andreia Dias

<a href="http://scubidu.bandcamp.com/album/andreia-dias-vol-1">Asas by Scubidu Records</a>

Thursday, June 04, 2009

Um irmão em busca de si



Meu irmão Oriol partiu para uma viagem diferente da minha. Foi fazer o Camino de Santiago. Tem muita gente no Brasil interessada em ir a Espanha para fazer esse caminho (em vez de, sei lá, visitar Barcelona, Madri, ou Al-Andalus; ou de ir até o Cusco, que fica mais perto, e fazer o caminho do Inca), então, enquanto espero alguma das crônicas que ele disse que ia mandar, vou comentar um pouco sobre sua partida.

Meu irmão é um maldito ateu, ou seja, não esta cumprindo nenhuma penitência. Não é um peregrino, como ele me disse no último e-mail. Também não é um hippy, longe disso. Então, o que ele foi fazer? O que o levou a querer caminhar durante um mês e meio, até os pés ficar cheios de bolhas, calos e sangue? (Nota: Meus pais são mais inteligentes. Uma vez por ano, vão de carro até um ponto do caminho; caminham por cinco dias; voltam a Barcelona, e até o ano que vem. Fazem o caminho por trechos. E tem mais: um cara da turma que não caminha faz o roteiro do dia de carro, carregando as malas dos outros, comida, etc. E isto eu não deveria dizer, mas... acho que dormem em hotéis! Como a Igreja Católica aceita qualquer coisa, eles têm seus documentos carimbados igualmente...)

O Oriol escreveu aquele verso: "Caminante no hay camino, se hace camino al andar", mas isso serve mais para a minha viagem (a escrita de um romance) do que para entender a sua. E, também: "El camino está en el corazón de quien lo hace", que é uma cafonice que nem dá para entender. Mas ele já me avisou: "Muito tem se escrito sobre os caminhos e a vida, e não é a minha intenção me pôr a fazer frases".

Diz que é um desafio pessoal e espiritual... "bastante espetacular para minha humilde natureza". (Eu acho que é mais uma espécie de procrastinação enfeitada, mas não vou dizer isso.)

O que ele busca? "Paz, amor e fé." (Podia ter voltado a Salvador de Bahia.) Fé não católica, ele acrescenta (já disse: maldito ateu!). Quer, também, "carregar as baterias" para enfrentar uma nova etapa vital "mais ativa e produtiva sobretudo pelo que diz respeito à arte cinematográfica, e menos pelo que diz respeito à publicidade". (Ainda bem que ele não escreveu "a arte da"; mesmo assim, eu fiquei puto, porque nessa frase está implícito um não abandono total dessa atividade que, em meu entender, poderia ser extirpada da face da terra e ninguém sentiria sua falta; o cinema, entretanto, está precisando urgentemente de pessoas que o tirem do fundo do poço.)

Ele procura, também (mas acho que ele diz isso de cara a la galería, isto é, para que as pessoas vejam), "um rencontro com um estilo de vida mais simples e natural", que o leve "longe do doente mundo ocidental" e perto de "coisas tão básicas quanto dormir com sono, comer com fome, descansar por cansaço, e sentir o trino dos pássaros ao amanhecer".

Não sabe o que vai encontrar, mas acredita que vai encontrar alguma coisa, pois escreve, cheio de mistério: "Todo o mundo que fez o caminho me disse que encontrou coisas".

Eu não sei o que ele vai encontrar, mas lhe adverti por telefone que dois preservativos era pouco. Respondeu que a aventura era espiritual, e que de qualquer jeito no caminho havia farmácias...

Não vai sozinho, vai com seu amigo Gerard, "e com todos aqueles irmãos que o destino ponha em paralelo aos meus passos, que tenham vontade de bater um papo e esquecer as dores do corpo (se são irmãs e lindas, muito melhor)" (ele que disse).

Prometeu à minha avó que não ia virar padre.

Disse que ver que tudo aquilo do que ia precisar cabia em uma mochila de 9 kilos lhe fez pensar.

Jurou aos irmãos (aos irmãos de sangue) que não tinha enlouquecido.

E, por último, me disse ao telefone que, como leitura, levava o Quixote. Eu lhe disse que melhor do que isso só os sete volumes de Proust, e ele me mandou calar a boca, me contou sua estratégia: não ia carregar o tijolão o tempo todo: ia ler e arrancar as páginas lidas. Eu só posso me curvar ante idéia tão engenhosa.

Vou pensar em uma recompensa para ti, irmão, se daqui a 45 dias chegas inteiro a Santiago.