Thursday, November 19, 2009

Capítulo 13 (novo rascunho)

Alguém escreveu que nunca deveríamos sequer tentar voltar aos lugares onde fomos felizes. Mas quando fugi para Nova York eu não acreditava mais no que lia nos livros. Sempre fui de tudo ou nada, e entre 98, quando me formei, e 2000, quando fugi, deixei absolutamente de ler. Não só isso. De freqüentar a biblioteca da faculdade, onde um mês antes das provas começava a estudar, lendo, um dia atrás do outro, até as 12 h da noite, obras literárias, filosóficas ou históricas dos mais diversos autores, passei a trabalhar num quartinho de dois por três metros, num contêiner de obra ao lado de uma escavação. O que viria a ser o maior centro comercial de Barcelona era então um buraco monstruoso, de forma triangular, 18 metros de profundidade e quase 40 mil m2; à beira do mar, com dezenas de muros de contenção, uma multidão de operários, caminhões, misturadores de cimento subindo e descendo por rampas de terra, todo tipo de outras máquinas cujos nomes tive de aprender.

Meu trabalho era o de tradutor e intérprete, mas logo fui dispensado da segunda função, da qual passou a ocupar-se exclusivamente minha colega. Eu já estava doente, e toda minha capacidade de concentração teria sido pouca para entender e traduzir o que diziam uns aos outros norte-americanos e espanhóis. Minha colega e eu ficávamos a maior parte do tempo na cabine, e o fato de as cartas e documentos a serem traduzidos chegarem de maneira intermitente me dava a oportunidade de fazer o que eu mais gostava: descer à obra. Pegava emprestados um par de botas e um capacete protetor e saía acompanhado por algum dos engenheiros estagiários (que, mais do que os engenheiros chefe, que preferiam ficar nos contêiners com seus planos e seu ar condicionado, estavam encarregados de passar as ordens aos grupos de operários e controlar que tudo corresse bem). Gostava de andar pelas rampas, pisar no barro do fundo da escavação, passear entre os pilares metálicos e os de concreto armado, ver como o concreto era vertido para formar as lajes. Admirava o reflexo das nuvens nas superfícies líquidas, banhadas para a cura do concreto. Perdia-me nos bosques de barras de aço que sustentavam as lajes já secas. Depois de anos de estudos, sentia satisfação e alívio - e um certo orgulho - por estar, de algum modo, participando na construção de algo material.

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