Tuesday, November 03, 2009

Capítulo 0 (rascunho)

Agora imaginem uma cidade sitiada, bombardeada dia e noite. Inclusive nesse cenário - e em determinadas circunstâncias - uma pessoa pode não ser capaz de esquecer suas preocupações mais banais. E, no entanto, a gente foge à menor oportunidade. Abandona sua casa, deixa seu trabalho, carrega uma leve bagagem e começa a caminhar. São momentos em que andar sem destino se apresenta como única opção.

Homens desprezados atravessam oceanos para se afastar da amada, só para descobrir, ao fim de uma vida tentando, que não conseguiram esquecê-la. Mas o amor não é o único motivo. Há uma infinidade de situações que exigem lentas transformações da alma, e a gente não sabe sempre o que fazer durante a espera.

Reparem nos olhos opacos de Alícia, que fuma sentada nos degraus da escada, sozinha em frente à porta do escritório onde trabalha. Reparem em Xavier, que percorre lentamente as ruas da cidade, chega até o cais, e fuma sentado num dos bancos, com o olhar perdido entre o velame. Ou em Manuel, que todos os dias, em qualquer parque, em qualquer café, lê (um acúmulo de palavras sobre a inadequação das palavras, que ora não entende, ora entende muito bem). Não estão sonhando. Não pensam no relatório a meio terminar, não estão à procura de nenhum horizonte melhor. Têm coisas mais importantes a resolver. Estão à espera.

A vida de quem espera é uma vida em suspenso, uma vida cujos eventos cotidianos são percebidos como um longo entreato; uma série interminável de encontros e desencontros não vividos. É a vida de Penélope e Cio-Cio-San. É a vida de Ana, que de tanto esperar se tornou uma rocha de sal. Sua espera e sua esperança eram as mesmas. Esperaram o retorno do amado à beira do mar. Aquilo que tiveram e perderam. Mas o amor não é o único motivo. Há coisas que se perdem, sem as quais não é possível viver. Coisas que se perdem mas podem se recuperar. Perdas que não aniquilam a esperança, que obrigam a lutar quando já não restam forças.

5 comments:

Anonymous said...

Fiu, fiuuuuuuu!!

Se é que pode assoviar para um texto tão bem escrito...
Os "olhos opacos de Alicia" fizeram dos meus quase que lacrimejantes.

"Há coisas que se perdem sem as quais não é possível viver. Coisas que se perdem, mas podem se recuperar. Perdas que não aniquilam a esperança, que obrigam a lutar quando já não restam forças."

... pausa para respirar...

Admiravel capítulo!

Um abraço do Anônimo educado.

Roger said...

Oba, oba, oba!

Obrigadão, anônimo! Obrigadão mesmo!

Nem sabe como isso dá FORÇA! (Ou sabe, se você também escreve!)

Grande abraço! :)))))

uri said...

hey bro'

la ma m'ha dit que aquest fragment pot ésser lo principi de quelcom més gran i més llarg... tujam'entens!!!!

no sé si és cert, però m'agrae, fins i tot en portugués viu!!!!

uri

maritrini said...

pues yo no habia visto estas preciosidades acá.... che, de verdad que merece toda mi atención en la lectura... leí la primera parte y está excelente... "una pasada" como dicen ahí en la madre patria :-)

muy pronto seguiré... ansiosa estoy por seguir pero ahora, ahorita, no lo puedo. :-(

Roger said...

Ei Uri, viu vols dir que el text viu? Si és així, fico feliz! :))

Che, gracias por los elogios patrióticos :p, pero necesito tus críticas, este texto es el más viejo, pero los otros más nuevos... no están tan bien...