Friday, November 06, 2009

Capítulo 4 (novo rascunho)

No ano 2000 não pisei neste bairro, nem em qualquer ponto do Brooklyn. Minha vida transcorreu entre os limites marcados pelas ruas 14 e 4, a Terceira avenida e University Place. Agora moro em Bedford-Stuyvesant, num trecho da rua Bedford onde somente há uma loja de conveniência, uma barbearia e um lúgubre take away chinês. A três quarteirões de distância de meu apartamento há o metrô, e às vezes vejo, à minha frente, de salto alto apesar da neve, minha vizinha, a única que até hoje conheci. É psicóloga. De manhã trabalha em um consultório de Manhattan e de tarde recebe pacientes em casa. Foi ela quem se apresentou. Eu ia carregado de sacolas do supermercado. Antes de conseguir abrir a porta, ouvi-a descer pela escada e se deter no patamar. Seu nome é Anne, ou Anna (primeiro disse Anna, logo se corrigiu). Quis saber quem eu era, o que eu fazia. Escrevo, eu disse. Ela inquiriu sobre o quê. Hesitei. Sobre uma múmia peruana, ocorreu-me dizer. Pelo seu olhar risonho, entendi que não acreditou. Deu-me tchauzinho com a mão, e terminando de amarrar o cinto de um casacão rosa, sumiu escada abaixo. Ainda disse, num tom de voz mais alto: Você não me parece um escritor!

2 comments:

Anonymous said...

rsrs... Se o personagem dissesse sobre o que escrevia ou pelo menos respondesse "escrevo coisas", quiçá a psicóloga de sobretudo cor-de-rosa conseguisse ver o escritor. Hahahaha!

Quando minha mulher perguntou ontem sobre o que estava lendo, eu respondi que lia rascunhos de um escritor. E hoje descubro que o personagem também escreve! Me parece uma história bastante pessoal. Quero dizer, uma história tua, Roger.

Anônimo Educado.

Roger said...

Bom, eu não me considero escritor. Tenho um livrinho, uma história para crianças, publicado na Espanha, e me sinto muito orgulhoso, ficou linda. Mas daí a me considerar escritor, não, não. Isto que você está lendo faz parte da dissertação de mestrado em Escrita Criativa da PUCRS. Veremos no que dá... E a história é em grande parte minha, sim. Aliás, a parte mais difícil e delicada vai ser a de romancear certos fatos vividos...