Saturday, November 07, 2009

Capítulo 6 (novo rascunho)

Reuni coragem e fui a Union Square. Andei pela calçada sul da rua 14, passei pela residência universitária, de cuja larga e longa marquise retiraram os painéis de metacrilato, deixando só a estrutura (embaixo dessa marquise, protegido da chuva, não fumei e conversei brevemente com alguém, alguma vez?), atravessei até a praça. O gramado está seco, queimado pela neve e o sol, e os galhos nus das árvores, como cabelos encrespados, não ocultam as fileiras de prédios baixos, não escondem a cidade. Sinais de proibição, relativos a cachorros, comida e esportes, com a praça vazia e em silêncio, parecem uma triste brincadeira. As folhas caídas têm sido varridas, e as que restam formam círculos perfeitos aos pés de cada tronco, anéis marrons. Não sinto nada. Agora que estou inteiramente aqui, não sinto nada. Quão absurdo, querer rever a praça daquele verão.

Desta praça liguei para o meu pai. Sentado de pernas cruzadas, deixando o corpo cair até quase tocar com a testa na grama. Sem nada ver ou ouvir. Como se os jovens estudantes formando rodas, os velhos apertados uns aos outros nos bancos, os mendigos e os bêbados com bancos só para si, sem ninguém que os dividisse com eles, a música e a mistura de gritos e murmúrios, estivessem, viessem de um lugar distante. As lembranças podem ser tão mais completas do que os próprios fatos vividos! Era esse o meu medo destes dias? A inutilidade pressentida de querer voltar aqui? Meu pai intentava me resgatar. À menor chance, pedia-me que lhe contasse sobre o curso, sobre os colegas; e, sendo as minhas respostas vagas, interessava-se pelo que havia ao meu redor. Com curiosidade sincera, mas ciente, também, que era isso que eu precisava. Dizia-me que ouvia música de violões. Como é a praça?, perguntava. O que você está fazendo para se divertir? Impelia-me a fazer um esforço (meu pai: aplicando, sem sabê-lo, uma "técnica de distração"). Sem sucesso, porque tudo o que eu queria era sua ajuda para resolver a pergunta que, havia mais de um ano, não me deixava em paz.

2 comments:

Anonymous said...

Olá, Roger!

Voltei. rsrs. O Anônimo educado.

Engraçado é que, depois de ler seus primeiros rascunhos postados aqui, o cap. 6 foi o que li com maior curiosidade. Terminei de lê-lo com uma curiosidade ainda maior, a de saber que perguntas eram essas. Adoro quando isso acontece! Agora já começo a juntar uma espécie de quebra-cabeça do personagem - começo a criar um perfil dele.

"os galhos nus das árvores, como cabelos encrespados, não escondem as fileiras.."
- Tive uma perfeita visualização dessa imagem.
E, discordando de vc, acho que és mesmo um escritor. Talvez em pleno processo de descoberta. ;))

Um abraço!

A.E

Roger said...

Olá, A. E.! Que bom isso que tu diz. Tem que existir essa curiosidade, vou ter que me cuidar de não contar tudo! :)

Espero, sim, estar em pleno processo de descoberta, não de mim como escritor, senão de uma história. Se não for assim, escrevê-la viraria uma coisa chata...

Abraço!